Um
filme que vem de um mundo distante e tão próximo. Um mundo expressionista,
quase do cinema mudo onde as expressões são a sua própria história. Quase a
dispensar as palavras. A história do Japão derrotado, destroçado e pobre, angustiado
e em busca de uma centelha de estima e conforto. Um filme que, pelo lado neorrealista
da infância perdida, fez-me lembrar «Aniki Bóbó» (Manoel de Oliveira, 1942) ou
«Ladrões de Bicicletas» (Vittorio De Sica, 1948). Acima de tudo, pelo lado comovedor
de uma ternura ofendida e sem tecto.
A
história da viúva Otane (Choko Iida) que recebe contrariada uma criança órfã de
guerra, Kohei (Hohi Aoki), que se perdeu do pai nos arredores de Tóquio. Acolhe-a
como um cão que não deseja, depois sente-lhe a falta porque deixa de estar só.
Depois ama-o e quero-o. Mas o pai aparece. E ela chora, não pela solidão
reencontrada mas de alegria porque o pai, afinal, é bom homem, não o abandonou,
fez tudo para encontrar o filho e ama-o. É a cena mais dilacerante do filme associada,
no final, como denúncia fortíssima, à cena de um grupo de crianças pobres que
brincam e fumam no parque, sozinhas, aparentemente também elas órfãs de guerra.
É
impossível não nos emocionarmos com a mestria teatral da composição das
personagens girando num espaço cénico de palcos sobrepostos. E não nos
comovermos mais ainda lembrando os milhares de órfãos que ficarão no mundo
saídos desta nova e medonha guerra, tão próxima de nós.
Um
filme imprescidínvel!
jef,
dezembro 2023
«História
de um Proprietário Rural» (Nagaya shinshiroku) de Yasujiro Ozu. Com Choko Iida,
Hohi Aoki, Eitaro Ozawa, Mitsuko Yoshikawa, Reikichi Kawamura, Hideko Mimura,
Chishu Ryu, Takeshi Sakamoto, Eiko Takamatsu, Taiji Tonoyama. Argumento: Tadao
Ikeda e Yasujiro Ozu. Produção: Mitsuzô Kubo. Fotografia:
Yuharu Atsuta. Música: Ichiro Saito. Japão, 1947, Preto e Branco, 81 min.
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