sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Sobre o filme «As Mãos Sobre a Cidade» de Francesco Rosi, 1963




















O filme trouxe-me de imediato à memória visual (e talvez não apenas a essa particular memória) três dos filmes que pertencem à minha colecção de filmes emocionalmente inesquecíveis. Falo de «O Milagre de Milão» (Vittorio De Sica, 1951), «La Dolce Vita» (Federico Fellini, 1960) e «A Noite» (Michelangelo Antonioni, 1961). Todos estes são construídos em torno das definições de urbanismo, arquitectura, memória, nostalgia, decadência e necessidade de futuro. São filmes visionários, revolucionários e, nestes dois sentidos, modernistas. Também, os três, são ultra-românticos.

«As Mãos Sobre a Cidade» faz agora parte deste pequeno grupo acrescentando, contudo, a inflamação visual, a intrépida rapidez narrativa, a cenografia hiper-realista, o som brutal da argumentação e a dimensão operática da movimentação de actores e figurantes.

Essa urgência cinematográfica está baseada na ansiedade exacerbada, talvez mesmo na angústia do presente ser impotente para impedir o livre curso dos jogos políticos camarários e da especulação imobiliária. Os bairros novos e requintados têm de ser construídos junto aos bairros praticamente em ruínas onde vivem milhares de paupérrimas famílias napolitanas.

Edoardo Nottola (Rod Steiger) especulador imobiliário tem de sacrificar o seu filho engenheiro quando ocorre um desmoronamento fatal devido ao avanço da construção dos novos bairros para ricos. O inquérito do edil não chega a conclusão alguma – a lapiseira do desenhador não faz distinção nas plantas da dupla parede de suporte de uma parede simples. As casas ameaçam ruir a qualquer momento, as famílias pobres têm de ser retirados pelo perigo de desmoronamento. A nova cidade deve conquistar o espaço. A composição camarária ameaça as recentres construções mas eleições estão aí.

Nottola entra na campanha eleitoral. Deve ser eleito para que Nápoles mude de rosto. O Centro e a Direita entram em confronto com a Esquerda. O tráfico de influências move-se sem descanso para assegurar o negócio da construção civil do pós-guerra.

Francesco Rosi filma tudo com a urgência de uma denúncia fulcral e, nesse aspecto, o filme torna-se mais actual do que nunca, também político, logo igualmente futurista. Mas afasta-se peremptoriamente da nostalgia romântica .

Contudo, o espectador não pode esquecer que no interior da exaltação narrativa desta denúncia, existe o magistral brilho da fotografia (Gianni Di Venanzo) e uma inesquecível beleza cenográfica.

 

jef, novembro 2023

«As Mãos Sobre a Cidade» (Le mani sulla città) de Francesco Rosi. Com Rod Steiger, Salvo Randone, Guido Alberti, Angelo D'Alessandro, Carlo Fermariello, Marcello Cannavale, Dante Di Pinto, Alberto Conocchia, Terenzio Cordova, Gaetano Grimaldi Filioli, Vincenzo Metafora, Dany París. Argumento: Francesco Rosi, Raffaele La Capria, Enzo Provenzale e Enzo Forcella. Produção: Lionello Santi. Fotografia: Gianni Di Venanzo. Música: Piero Piccioni. Itália, 1963, Preto e Branco, 101 min.

 


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