Passados alguns minutos, começamos a entender a estratégia dos realizadores; a dar tempo ao nosso tempo presente enquanto vemos o filme; a abstrairmo-nos do que esperávamos, essa homenagem documentarista ao filme «Os Verdes Anos» de Paulo Rocha.
Nada
disso. Durante a pandemia e respectivo confinamento, João Pedro Rodrigues e
João Rui Guerra da Mata tiveram mais que tempo para contemplar demoradamente os cenários
que viam da sua janela. Ali por baixo, sessenta anos antes, andaria Paulo Rocha
a filmar Isabel Ruth, Rui Gomes, Ruy Furtado ou Paulo Renato. Lisboa, cruzamento da
Avenida de Roma com Avenida Estados Unidos da América, entre cafés, o Vá-Vá, o
Suprema ou o Luanda.
De
tal contemplação emerge um objecto ímpar e inusitado. Um objecto que obriga a
parar, a olhar não propriamente com o olhar nostálgico de uma reportagem
passadista, nem para o futuro inexistente desse mundo que desapareceu.
«Os
Verdes Anos» de Paulo Rocha são irrepetíveis e uma reportagem sobre o que se
passou nos meses de rodagem seria importante para, principalmente, os ratos
de cinemateca. Além disso, em plena pandemia a circulação das pessoas, se
existente, era para poucos!
Então,
qual a estratégia?
«Os
Verdes Anos» e «Onde Fica Esta Rua? ou Sem Antes Nem Depois» coincidem
exactamente na metragem, nos planos e decores, nos ângulos captados, também na
duração e na sequência das cenas. Somente, no segundo caso, ninguém pode
aparecer, não existem personagens narrativas, apenas figurantes (ou
pseudo-figurantes… Tomar atenção à saída do morador com medo de tocar em algum
objecto contaminado com o vírus! Aliás o humor, sub-reptício, vai passando pelo
filme quase sem darmos por ele. Esse é um dos seus trunfos!)
É
um filme que nos dá tempo para observar, nos ensina a ver lentamente enquanto pensamos
no seu esqueleto e músculos e órgãos filmado em 1963. «Os Verdes Anos» está lá
mas como fantasma etéreo e futurista de uma obra-prima.
Quem
não tem antes ou depois não gostará do filme, mas tem de reconhecer que haverá
poucos cineastas que nos colocam o relógio em pausa e concedem o espaço
apenas para olhar, sem julgar, sem entristecer, simplesmente para reflectir no
modo imprescindível que é a arte cénica e visual (e auditiva, também, quantas acções passam para lá da câmara!)
Muito
especiais são as canções interpretadas por Isabel Ruth, principalmente na cena
final, oferendo a marcha popular em honra à cidade de Lisboa em troca de, no
original, a fuga e sequestro de Júlio pelos faróis dos automóveis.
Resumindo,
um filme para quem gosta dos filmes de Paulo Rocha e tem tempo para contemplar.
jef,
novembro 2023
«Onde
Fica Esta Rua? ou Sem Antes Nem Depois» de João Pedro Rodrigues e João Rui
Guerra da Mata. Com Isabel Ruth, João Pedro Rodrigues, João Rui Guerra da Mata.
Produção: João Matos, Vicent Wang, João Pedro Rodrigues. Fotografia: Rui Poças
e Lisa Persson. Música: Isabel Ruth, Séverine Ballon e Carlos Paredes. Portugal
/ França, 2022, Cores, 88 min.
Sem comentários:
Enviar um comentário