domingo, 9 de março de 2025

Sobre o livro «Ascendentes» de João Paulo Esteve da Silva / Colecção LXYZ 1 / edição A Morte do Artista / 2025



 










Pardal, poeta, pai, parede, cal. Em «Ascendentes», João Paulo Esteves da Silva navega num mar híbrido entre a memória de uma rua perdida para sempre, a reconquista de uma geografia alcançada e o voo do pardal sobre o caroço de uma cereja.

A cal como se a luz fosse um objecto mineral, refractável, observável mesmo que faça contraluz às penas de um pavão um pouco abaixo de um telhado.

O pai, essa luz distante, os olhos quase fechados, essa luz menos refractada apesar de eterna, confundido na parede as manchas em rebanho pelas pedras malhadas de granito.

Na Mouraria, bêbado e de nuca na parede, recitando ladainhas em chinês, ele exige – qualquer poeta apenas quer ser lido!

Os pardais, a gaivota que viaja sobre a careca do fotógrafo, o falcão a vigiar a azáfama das andorinhas. Talvez o melro. Pombos torcazes. A lontra do aquário Vasco da Gama, cenouras selvagens e gatos.

Depois, as orelhas de Mozart, o espelho de água de Lewis Carroll, o casarão de Kafka e a porta fechada depois do The Lamb Lies Down on Broadway.

Em «Ascendentes», o poeta transforma a ausência em facto, a solidão em história e substantiva o mais poético adjectivo, fazendo-o desaparecer.


Jef, março 2025


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