Quase
um quarto de século depois (e na magnífica cópia digital restaurada pelo
realizador), «Mulholland Drive» é, como sempre foi, um objecto de cinema único, perene. Um
objecto onde todas as sobreposições se tornam agora definitivamente claras. Do percurso
nocturno de automóvel pela Mulholland Drive, transportando Camilla Rhodes ou
Rita (Laura Harring) até à chegada ao Teatro Silencio, pela madrugada, de Rita ou
Camilla Rhodes acompanhada de Betty Elms ou Diane Selwyn (Naomi Watts) para,
entre lágrimas, ouvirmos “Llorando / Crying”. Uma caixa de estranha fechadura esclarece-nos
sobre a sobreposição final, desvendando-nos aquilo que não pode ser desvendado.
Esclarece-nos ainda, oniricamente (ou psicanaliticamente), como as personagens
se podem duplicar e transfigurar. Tudo é estratificado pelo medo e pela
respectiva transfiguração. Afinal, o cinema em Hollywood é, deste modo, simples e claro.
Desde «O Crepúsculo dos Deuses / Sunset Boulevard» (Billy Wider, 1950). Uma
espécie de tragédia cómica, muito negra e muito bela, onde os realizadores se
escondem (ou fogem) da produção feroz e as actrizes, louras ou morenas (ou
ruivas) impõem e sofrem pela própria fotogenia cinematográfica.
Afinal, só
poderemos entender esta história de amor e trevas, de sonho e cinema, também a sua banda sonora (Angelo Badalamenti), os cenários (Jack Fisk), a sua cor e a sua luz (Peter
Deming), o guarda-roupa de Amy Stofsky, se não insistirmos em entendê-la. A decisão está
absolutamente nas mãos do espectador.
jef,
fevereiro 2025
«Mulholland
Drive» de David Lynch. Com Naomi Watts, Laura Harring, Justin Theroux, Ann
Miller, Jeanne Bates, Dan Birnbaum, Randall Wulff, Robert Forster, Brent
Briscoe, Maya Bond, Patrick Fischler, Michael Cooke, Bonnie Aarons, Michael J.
Anderson, Joseph Kearney, Enrique Buelna, Richard Mead, Sean Everett, Angelo
Badalamenti, Dan Hedaya, Daniel Rey, David Schroeder, Robert Katims, Marcus
Graham, Tom Morris, Melissa George, Mark Pellegrino, Vincent Castellanos, Diane
Nelson, Charles Croughwell, Rena Riffel. Argumento: David Lynch. Produção: Neal Edelstein , Joyce Eliason, Tony Krantz, Michael Polaire, Alain Sarde, Mary
Sweeney. Fotografia: Peter Deming. Música: Angelo Badalamenti . Guarda-roupa: Amy Stofsky. Cenografia: Jack
Fisk. EUA / França, 2001, Cores, 147 min.
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