Educação emocional do espectador.
Um filme intransigente. Tão mais poético quanto mais pragmático.
Em
2017, o clima mudou o Centro de Portugal pelo fogo. Portugal não estava preparado,
as pessoas ficaram encurraladas, morreram derretidas, mais de seis dezenas, mais
de 250 ficaram feridas e destruídas. O filme parte deste facto, pretende falar
das cinzas que restaram dentro dos que sobreviveram.
Como
se pode usar então a ficção inflamando a realidade, representando-a, e ao mesmo
tempo provocando-lhe apaziguamento? Aqui são os actores que mais contam, pois são
eles a realidade que nos narra a ficção: Betty Faria (Elsa) perdeu o marido
derretido pelo asfalto escaldante e ficou cega, não saiu do carro. Vai visitar
a campa e leva flores amarelas. É acompanha por Ricardo Vidal (Mariano) que
também leva flores à campa da mulher. Fora do cemitério, Alexandre Batista
(Simão), rapaz, chuta agressivo a bola contra o muro, ele perdeu os pais no
incêndio, vive sozinho mas alimenta-os todos os dias. Filomena Cautela (a médica)
tenta aliviar o trauma de Madalena Cunha (Justa) que perdeu a mãe e que, todos
os dias, quando mão lê sobre a vida dos animais, ajuda Mariano nas tarefas domésticas,
o seu pai desfigurado no rosto, no tronco e nos membros pelas chamas (Ricardo Vidal, o actor, apresenta-se assim, fisicamente, com aquela máscara real devido a um grave acidente automóvel).
Existe uma abstracção no olhar do espectador que é, paradoxalmente, transmitida pela alta definição das linhas na claridade ou na penumbra, imposta pela fotografia decisiva de Acácio de Almeida. O horror da ficção também nos é dada, em contraponto, pela suavidade das vozes de Betty Faria, Madalena Cunha e Ricardo Vidal, ou pelo tom áspero, violento, de Alexandre Batista. A pureza do som oferecida pelo toque de Vasco Pimentel ou essa penumbra clara e crepuscular de Acácio Batista lança-nos emocionalmente para o interior da tragédia, muito mais do que alguma fúria sonora ou visual seria capaz. É impressionante o efeito sonoro dos primeiros acordes da Dança Húngara n.º 4 de Johannes Brahms (transposto para quarteto de cordas).
Filme
fortíssimo, esteticamente belíssimo, que se transforma em elegia, ou requiem,
ou luto por aquelas pessoas, aqui figuradas por aqueles actores sem mácula que,
assim, nos fazem compreender, ou seja integrar em nós, a sombra de tão atroz,
inesquecível e inextinguível dor.
jef,
dezembro 2025
«Justa»
de Teresa Villaverde. Com Betty Faria, Filomena Cautela, Madalena Cunha,
Ricardo Vidal, Alexandre Batista, Robinson Stévenin, Francisco Nascimento,
Anabela Moreira, João Pedro Vaz, Luísa Cruz, Francisco Nascimento, Daisy
Eltenton, Aurora do Lago, Mariana Pedro, Mariana Vilela, Ângela
Cerveira, Beatriz Batarda (voz). Argumento e Produção: Teresa Villaverde. Fotografia: Acácio
de Almeida. Som: Vasco Pimentel. Guarda-roupa: Patrícia Dória. Portugal, 2025, Cores,
108 min.





Aqui há uns dias, ouvi na rádio, creio que na Antena1, uma entrevista com a Teresa Villaverde, precisamente sobre este filme "Justa". Fiquei com uma curiosidade muito grande, especialmente, pela estética da luz e sonora, de que ela deu uma imagem muito forte nessa entrevista e que corroboras também nesta anotação. A ver vamos!
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