quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Sobre o livro «As Cores da Infâmia» de Albert Cossery, Antígona, 2016 (1999). Tradução de Ernesto Sampaio.



 







«– Desenganas-te. A verdade é conhecida de toda a gente, mas uma coisa conhecida de toda a gente não possui nenhum valor de troca. Estás a ver os patifes que controlam a informação a vender verdades… Na melhor das hipóteses, toda a gente se ria deles. Por uma razão bem simples, a verdade não tem nenhum futuro, ao passo que a mentira é portadora de grandes esperanças.»

 

O riso reprimido com que o jovem ladrão bem apessoado, Ossama, o inteligente jornalista perseguido e desaparecido, Karamallah, e o dito professor de sociologia, crânio rapado, óculos escuros e barba preta a cobrir metade da caras, Nimr, recebem no café o magnate dos prédios temporários, Atef Suleyman, representa bem o modo como o autor traduz o seu desprezo pelos dignitários que a troco do lucro conseguem explorar e sacrificar milhares de pobres que, deste modo, vivem, rindo, sem queixas, chapinhando nos eflúvios fétidos dos esgotos criados pelas desigualdades sociais.

O humor subjacente à verve filosófica de Albert Cossery parece explicar a profunda injustiça social ligada à ganância, à ignomínia e à infâmia do velho ou moderno capitalismo “contado às crianças e lembrado ao povo”, como diria João de Barros.

A estratégia magnífica da sua escrita aprofunda e expõe a revoltada resignação, a irónica e calada insubmissão, fazendo a apologia do pequeno delito ‘à Robin dos Bosques’ como modo prático de transferir a riqueza dos ricos e poderosos para a sofredora iniquidade dos desvalidos.

Sobretudo, a finura da narrativa, das descrições dos lugares e indumentárias, o modo de lançar ideias por dentro da acção corrida são inesquecíveis. 

Ficamos apaixonados por Ossama, Nimr e Karamallah!

Uma obra a manter por perto, amável e aguerrida, para conseguirmos atravessar com um assomo de esperança os tempos politica e economicamente devastados em que se afunda neste momento o Universo.

Uma viva e actualíssima recomendação!


jef, dezembro 2025

 

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