sábado, 20 de fevereiro de 2021

Sobre o livro «Alexis» de Marguerite Yourcenar, Difel 1988. Tradução de Gaëtan Martins de Oliveira.



 

















«A criança que eu fui, a criança de Woroïno, já não existe, e toda a nossa existência tem por condição a infidelidade a nós mesmos. É perigoso que os nossos primeiros fantasmas sejam justamente os melhores, os mais queridos, os mais saudosos.»

Alexis afasta-se de Monique por uma espécie de dádiva ao afecto extremo recebido, à cerimoniosa devoção pela sua aristocrática compreensão, ao carinho pela verdade que lhe deve expondo a sua vocação musical e sensual.

«Alexis» é um texto que ensina a ler. É uma história escrita em 1928 sobre a impossibilidade da felicidade e da verdade que dela é devedora. A longa carta de despedida não está assinada mas quem a escreve, o pobre e esforçado pianista, diz: «Durante toda a minha vida, a música e a solidão desempenharam para mim um papel de calmantes». Mais à frente explicita que sempre confundira o desejo e o temor, e que só deixava o instinto avançar quando a consciência fechava os olhos. E conclui: «Assim, as minhas vitórias sobre mim mesmo não passavam de mais uma derrota; os nossos defeitos são por vezes os melhores adversários que acaso opomos aos nossos vícios.».

«Alexis» é uma espécie de “tocata e fuga” executada pela assunção de que só através da consciencialização do modo sensual intrínseco se atingirá, para si mesmo, a expressão da verdade perante o instinto do próprio corpo.

«Simplesmente, ainda prefiro o erro (se de erro se trata) a uma denegação de nós próprios tão próxima da demência.»

E esta maravilhosa carta termina, benévola e triste, devota e terna, face a uma quase confissão da verdade avassaladora:

«Minha amiga, sempre vos julguei capaz de tudo compreender, o que é bem mais raro do que tudo perdoar.»

jef, fevereiro 2021


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