«A
criança que eu fui, a criança de Woroïno, já não existe, e toda a nossa existência
tem por condição a infidelidade a nós mesmos. É perigoso que os nossos
primeiros fantasmas sejam justamente os melhores, os mais queridos, os mais
saudosos.»
Alexis afasta-se de Monique por uma espécie de dádiva ao afecto extremo recebido, à
cerimoniosa devoção pela sua aristocrática compreensão, ao carinho pela verdade
que lhe deve expondo a sua vocação musical e sensual.
«Alexis»
é um texto que ensina a ler. É uma história escrita em 1928 sobre a
impossibilidade da felicidade e da verdade que dela é devedora. A longa carta
de despedida não está assinada mas quem a escreve, o pobre e
esforçado pianista, diz: «Durante toda a minha vida, a música e a solidão
desempenharam para mim um papel de calmantes». Mais à frente explicita que
sempre confundira o desejo e o temor, e que só deixava o instinto avançar
quando a consciência fechava os olhos. E conclui: «Assim, as minhas vitórias
sobre mim mesmo não passavam de mais uma derrota; os nossos defeitos são por
vezes os melhores adversários que acaso opomos aos nossos vícios.».
«Alexis» é uma espécie de “tocata e fuga” executada pela assunção de que só através da consciencialização do modo sensual intrínseco se atingirá, para si mesmo, a expressão da verdade perante o instinto do próprio corpo.
«Simplesmente,
ainda prefiro o erro (se de erro se trata) a uma denegação de nós próprios tão
próxima da demência.»
E
esta maravilhosa carta termina, benévola e triste, devota e terna, face a uma quase
confissão da verdade avassaladora:
«Minha
amiga, sempre vos julguei capaz de tudo compreender, o que é bem mais raro do
que tudo perdoar.»
jef, fevereiro 2021
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