O mundo emocionalmente geográfico de Selma Lagerlöf é assaz
difícil de definir. Uma certa virilidade escandinava que talvez venha dos
enregelados recortes rochosos dos fiordes. Também uma austeridade na
caracterização dos personagens chegada dessa fundamentalista ascese luterana.
Uma destemperada imaginação fantasiosa que vai desorganizando a moral das personagens, influenciada por todo o mundo de seres florestais e monstros nefandos
da tradição popular nórdica. Mas, acima de tudo, um humor fino, muito fino, que
deixa perplexos os olhos do leitor à medida que percorrem as loucas intrigas
imaginadas pela escritora.
A curta novela «O Tesouro» é mesmo uma espécie de súmula do
mundo animado de Selma Lagerlöf. A órfã Elsalill escapa do massacre ocorrido em
casa do rico Senhor Arne, seu protector, e é recolhida pelo humilde peixeiro, Torarin, que tem por amigo íntimo o cãozinho Grim,
uma espécie de confidente, campainha de alarme e anjo da guarda.
A partir daí, a jovem Elsalill, entre paixões assolapadas e vis
desamores, entre mortos e vivos, tentará a todo o custo salvar a errância da
sua querida irmã. Os assassinos rondam ali por perto. O gelo cobrirá as enseadas de
Marstrand, aprisionará todos os navios e pescadores, e dará conclusão à
história.
Não esqueçamos que estamos no início do século XX e é um
prazer ler as narrativas geográficas, quase anti-românticas,
de Selma Lagerlöf.
jef, janeiro 2021
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