Maria Ondina Braga é um caso sério nesse modo particular da
literatura portuguesa construir contos e novelas. Estranhamente, e apesar de a escritora
ser um vulto maior nessa arte sucinta de contar grandes histórias em poucas
palavras, ela hoje praticamente não é lida.
Isso revela uma das grandes injustiças do panorama editorial
lusitano.
Em «Os Rostos de Jano» surgem mais seis novelas cujos títulos
são o fiel espelho da sua narrativa cirúrgica: ‘O Recolhimento’, ‘A Visita’, ‘Marília’,
‘A Fuga’, ‘O Irmão’, ‘O Retrato’. Ora contando a vida da personagem no lapso fugaz
de uma tarde, ora deixando na descrição breve o instante truncado de uma
viagem, de um passado, de uma fuga, de uma morte. Todo esse trabalho de minucia
e escalpelo serve para entregar ao leitor o posterior trabalho de ir buscar a
verdade emocional, suturando a melancolia, rasurando a solidão, espicaçando a
injustiça. Quase sempre com o feminino no seu fulcro.
Em «Marília», as 29 breves páginas contêm a definitiva
amizade juvenil entre duas estudantes de liceu, algures num Portugal muito
interior. Através delas conhece-se um país de clivagens sociais e ‘maus-olhados’
morais. Através dela também sabemos como, psicologicamente, a adolescência trava
a guerra fundamental do crescimento e se abre ao sensual desabrochar da
proximidade.
A escrita de Maria Ondina Braga é única. Indelével na memória
do leitor que ficou cativo na fina malha da sua nassa literária. Raivosamente
discreta, amoravelmente incisiva.
À escritora voltarei brevemente nestes textos.
Era ela minha amiga.
jef, fevereiro 2021
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