segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Sobre o livro «Os Rostos de Jano» de Maria Ondina Braga. Bertrand, 1973

 




 








Maria Ondina Braga é um caso sério nesse modo particular da literatura portuguesa construir contos e novelas. Estranhamente, e apesar de a escritora ser um vulto maior nessa arte sucinta de contar grandes histórias em poucas palavras, ela hoje praticamente não é lida.

Isso revela uma das grandes injustiças do panorama editorial lusitano.

Em «Os Rostos de Jano» surgem mais seis novelas cujos títulos são o fiel espelho da sua narrativa cirúrgica: ‘O Recolhimento’, ‘A Visita’, ‘Marília’, ‘A Fuga’, ‘O Irmão’, ‘O Retrato’. Ora contando a vida da personagem no lapso fugaz de uma tarde, ora deixando na descrição breve o instante truncado de uma viagem, de um passado, de uma fuga, de uma morte. Todo esse trabalho de minucia e escalpelo serve para entregar ao leitor o posterior trabalho de ir buscar a verdade emocional, suturando a melancolia, rasurando a solidão, espicaçando a injustiça. Quase sempre com o feminino no seu fulcro.

Em «Marília», as 29 breves páginas contêm a definitiva amizade juvenil entre duas estudantes de liceu, algures num Portugal muito interior. Através delas conhece-se um país de clivagens sociais e ‘maus-olhados’ morais. Através dela também sabemos como, psicologicamente, a adolescência trava a guerra fundamental do crescimento e se abre ao sensual desabrochar da proximidade.

A escrita de Maria Ondina Braga é única. Indelével na memória do leitor que ficou cativo na fina malha da sua nassa literária. Raivosamente discreta, amoravelmente incisiva.

À escritora voltarei brevemente nestes textos.

Era ela minha amiga.

 

jef, fevereiro 2021

Sem comentários:

Enviar um comentário