«Tinha
à minha frente a maquete que corporiza os sonhos de um Portugal novo, a
grandeza periférica de quem não sabe muito bem para onde ir.
Agarrei
a cidade maquete e coloquei-a na entrada. A história de qualquer país está
cheia de cidades maquetes. Inventários de vidas.
Não
há razão para dramas.»
Um
mundo planeado. Um urbanismo traçado no espírito de uma régua e de um esquadro contemporâneos.
Também de uma estética ideal para estilizar uma Vila Nova que viria a encher-se
de gente. Planeada também ela. Na periferia de um futuro complexo industrial no
mais ocidental canto de uma Europa em efervescência. Uma revolução. O fim de
uma guerra colonial. Um planeamento frustrado de uma Vila Nova meio-cheia de
gente, vigiada pelas chaminés industriais, e enterrada entre a planície
alentejana e a planura atlântica. Vila Nova, mais meio-vazia de gente.
As
personagens são o deserto da paisagem. Loucas ou ingénuas, todas a caminho da
solidão, tal como o protagonista que navega numa espécie de estratégia de
resistência e fuga.
Serão
estas personagens desgarradas também o sustento de Vila Nova. O seu tutano. A
sua alegria. Por elas sabemos mais da história de um país e da sua suspensão
social. Surgem elas aqui como contos, como crónicas. Talvez mais como cromos de
uma caderneta delirante que se abre à percepção do leitor a três dimensões.
Uma
maquete humana de sinais, alçados, perfis e temperamentos, esperanças e desilusões,
saídos da imaginação destravada mas profunda e consistente de João Vieira.
Um
livro que certamente atrairá a estranheza de urbanistas e arquitectos. (Esses
urbanistas e arquitectos mais atentos à literatura que já o teriam sentido ao
ler as obras da escritora-urbanista Filomena Marona Beja).
Um
livro denso e leve, divertido e nostálgico, que bem satisfará quem procura na fértil
estratégia narrativa o gozo da própria leitura.
jef,
fevereiro 2021
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