sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Sobre o filme «Identificação de Uma Mulher» de Michelangelo Antonioni, 1982























Antonioni tem uma característica única: deixa sempre o espectador em estado de alerta, num certo estado de intranquilidade. E tal estado de vigília não é certamente pela história que é, neste caso, até parece fácil de contar. Niccolò Farra (Tomas Milian), realizador de cinema e divorciado, anda à procura de substância, de rostos e corpos que preencham o argumento de um filme mas, tal como nesse filme cuja história se lhe escapa, as suas relações com Mavi (Daniela Silverio) e Ida (Christine Boisson) chegam inevitavelmente a um beco sem saída.

Contudo, aqui, tudo parece simbólico e obsessivo, em constante estado de fuga iminente. Niccolò, no início, rasteja pela própria casa deserta tentando escapar ao alarme do qual se esqueceu do código. Recebe ameaças telefónicas mal identificadas para que se afaste de Mavi mas será ela que desaparecerá sem explicação, depois de uma cena de pânico dentro de um amedrontador banco de nevoeiro. Ida também desaparecerá após um passeio na triste e solitária lagoa de Veneza, dizendo-lhe que está grávida, não dele, que Niccolò pode ser tudo para ela mas não uma prioridade. Afinal, a solução está escondida num selo que o pequeno sobrinho descobre numa caixa, com os feitos heroicos da astronáutica soviética.

Só que toda a história é contada em sobressaltos maravilhosamente estéticos, em puro suspense dramático onde os flashbacks e os longos silêncios, a tensão erótica dos planos, os vértices ou as curvas das escadas, o enquadramento das janelas, surgem por vezes de modo anacrónico, como num policial de tom psicanalítico ou num romance em devaneio onírico e alienado.

Existe uma intuição de pintor que faz Antonioni desviar-se sistematicamente da profundidade da intriga para mostrar como é tão importante, talvez mesmo mais eloquente, a superfície que existe num olhar simples.


jef, agosto 2021

«Identificação de Uma Mulher» (Identificazione di una Donna) de Michelangelo Antonioni. Com Tomas Milian, Daniela Silverio, Christine Boisson, Lara Wendel, Veronica Lazar, Enrica Antonioni, Sandra Monteleoni, Marcel Bozzuffi, Giampaolo Saccarola, Dado Ruspoli, Arianna De Rosa, Sergio Tardioli, Itaco Nardulli. Argumento: Michelangelo Antonioni, Gérard Brach, Tonino Guerra, segundo uma história de M.A.. Produção: Antonio Macri e Giorgio Nocella. Fotografia: Carlo Di Palma. Música: John Foxx. Itália, 1982, Cores, 130 min.

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