segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Sobre o livro «Contos Escolhidos» de Guy de Maupassant, Dom Quixote, 2017. Tradução de Pedro Tamen.



 











«Dizia eu no outro dia, neste mesmo lugar, que a escola literária de ontem se servia para os seus romances das aventuras ou verdades excepcionais retiradas da vida; ao passo que a escola actual, que apenas se preocupa com a verosimilhança, oferece uma espécie de mediania, acontecimentos vulgares.

E eis que me dão a conhecer toda uma história que ao que parece aconteceu, e que se diria inventada por um qualquer romancista popular ou por um qualquer folhetim delirante.

Em todo o caso, trata-se de uma história impressionante, bem arquitectada e bem interessante dentro da sua estranheza.»

 

Assim Guy de Maupassant introduz o seu «Um Drama Verdadeiro», onde coloca a epígrafe “Por vezes o verdadeiro não é verosímil”. E não é certamente por acaso que este texto inicia a segunda parte do livro: «Contos Inquietantes, de Horror e de Mistério». Pedro Tamen (e o seu colaborador Miguel Viqueira) sabem o que fazem e é importante dar razão e espanto ao que é inexplicado, preferindo o próprio autor este adjectivante em detrimento a «sobrenatural», que ele explicitamente rejeita. A história é realmente estranha, passando de geração para geração. Não é preciso confirmar a veracidade, tão bem escrita que está!

(Tais palavras de Guy de Maupassant logo eu as associo a outras e doutas de Mário de Carvalho, outro contista superioríssimo!, para o qual a verdade também não é suficiente para elevar a literatura ao prazer maior da leitura.)

Também a primeira parte (Contos Mundanos, Amorosos, Eróticos e Galantes) abre com uma jocosa quase novela («A Casa Tellier») cujas primeiras frases me levaram a criar dentro de mim imagens tão fortes e precisas que não podiam chegar de alguma leitura perdida ou algum sonho verosímil. O facto é que, em tempos, assistira a uma sessão de três curtas-metragens de Max Ophüls baseadas em contos de Maupassant («O Prazer», 1952), onde se incluía precisamente esta amorável e campestre demanda de um grupo de prostitutas para assistirem à primeira comunhão da sobrinha da Madame, deixando os marinheiros e os maridos da cidade em estado de exaltada carência. Um apuro de licenciosa candura, de alegre comunhão, de felicidade libertadora.

«Bola de Sebo» inaugura os Contos Exemplares, uma outra quase novela em todos os sentidos exemplar, onde é contada a coisa pública que se passou na moral política francesa entre a Revolução, o Império e a República. Um divertido e comovente relato das fraquezas humanas e das colectivas virtudes de um grupo de foragidos à guerra franco-prussiana.

São mais de 40 histórias maravilhosas que compõem este que será um dos meus livros para sempre!

A tradução é de um amável senhor, maravilhosa personagem desaparecida recentemente, cujas traduções sempre me fizeram apontar os respectivos títulos para os comprar na feira do livro seguinte. Esse senhor é o grande poeta Pedro Tamen (1934-2021).


jef, agosto 2021

 

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