«Dizia
eu no outro dia, neste mesmo lugar, que a escola literária de ontem se servia
para os seus romances das aventuras ou verdades excepcionais retiradas da vida;
ao passo que a escola actual, que apenas se preocupa com a verosimilhança,
oferece uma espécie de mediania, acontecimentos vulgares.
E
eis que me dão a conhecer toda uma história que ao que parece aconteceu, e que
se diria inventada por um qualquer romancista popular ou por um qualquer
folhetim delirante.
Em
todo o caso, trata-se de uma história impressionante, bem arquitectada e bem
interessante dentro da sua estranheza.»
Assim Guy de Maupassant introduz o seu «Um Drama Verdadeiro», onde coloca a
epígrafe “Por vezes o verdadeiro não é verosímil”. E não é certamente por acaso
que este texto inicia a segunda parte do livro: «Contos Inquietantes, de Horror
e de Mistério». Pedro Tamen (e o seu colaborador Miguel Viqueira) sabem o que
fazem e é importante dar razão e espanto ao que é inexplicado, preferindo o
próprio autor este adjectivante em detrimento a «sobrenatural», que ele explicitamente
rejeita. A história é realmente estranha, passando de geração para geração.
Não é preciso confirmar a veracidade, tão bem escrita que está!
(Tais
palavras de Guy de Maupassant logo eu as associo a outras e doutas de Mário de
Carvalho, outro contista superioríssimo!, para o qual a verdade também não é suficiente
para elevar a literatura ao prazer maior da leitura.)
Também
a primeira parte (Contos Mundanos, Amorosos, Eróticos e Galantes) abre com uma
jocosa quase novela («A Casa Tellier») cujas primeiras frases me levaram a criar dentro de mim imagens tão fortes e precisas que não podiam chegar de alguma
leitura perdida ou algum sonho verosímil. O facto é que, em tempos, assistira a
uma sessão de três curtas-metragens de Max Ophüls baseadas em contos de Maupassant
(«O Prazer», 1952), onde se incluía precisamente esta amorável e campestre demanda
de um grupo de prostitutas para assistirem à primeira comunhão da sobrinha da
Madame, deixando os marinheiros e os maridos da cidade em estado de exaltada
carência. Um apuro de licenciosa candura, de alegre comunhão, de felicidade libertadora.
«Bola
de Sebo» inaugura os Contos Exemplares, uma outra quase novela em todos os
sentidos exemplar, onde é contada a coisa pública que se passou na moral política
francesa entre a Revolução, o Império e a República. Um divertido e comovente
relato das fraquezas humanas e das colectivas virtudes de um grupo de foragidos
à guerra franco-prussiana.
São mais de 40 histórias maravilhosas que compõem este que será um dos
meus livros para sempre!
A
tradução é de um amável senhor, maravilhosa personagem desaparecida
recentemente, cujas traduções sempre me fizeram apontar os respectivos títulos para
os comprar na feira do livro seguinte. Esse senhor é o grande poeta Pedro
Tamen (1934-2021).
jef,
agosto 2021
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