Este
parece ser o início de uma longa cruzada de Éric Rohmer na criação da sua enciclopédia
sobre a imoral moralidade dos factos comuns da vida, sobre o que pode ser lido
e treslido no dia-a-dia de cada um.
O
filme é de uma simplicidade imensa e de um humor trágico maior, sob a produção
de Claude Chabrol, sob os céus de Paris, sob os acordes do violino de Louis
Saguer que, afinal, deviam ser a sonata sonhada por Pierre Wesselrin (Jess Hahn),
o músico americano que desperta do seu parisiense sonho musical para receber
um telegrama onde está escrito que acaba de receber uma fortuna incalculável de
herança por parte de uma tia morta.
A
alegria e os amigos são inúmeros e Paris é a mais bela cidade do mundo coberta
pelo magnífico firmamento que oferece o brilho à Île Saint-Louis, à Rive
Gauche, à Notre-Dame, ao Sena e às Pont Neuf e Pont Neuilly, ao Café de Flore.
Porém, o mais belo Verão pode trazer com ele a solidão a uma cidade que foge
para o litoral e com ela as reviravoltas de um destino que Éric Rohmer vai
escalpelizando ponto por ponto, passo por passo, atrás da imponente figura,
resistente e digna, do actor Jess Hahn. A vida troca-lhe as voltas, Paris
oferece-lhas as muralhas construídas pelas pedras mais inexpugnáveis do
universo. Pierre Wesselrin pode procurar comida no lixo ou atar os sapatos com
cordéis mas não se rebaixa. A estrela mais forte da constelação de Leão-Rohmer
olhará por ele.
Ao
longo do filme lembrei-me de Charlot, de «Sem Eira Nem Beira» de Agnès Varda
(1985), de «Ladrões de Bicicletas» (1948) e «Milagre em Milão» (1951) de Vittorio De Sica, de La Bohème…
Mas Éric Rohmer não quer mostrar a tragédia mas a surpreendente construção urbana
e a legítima modernidade que a sustenta e também a redime. Éric Rohmer quer
salvar Pierre Wesselrin. E o actor Jess Hahn salvará a cidade.
Nunca
Paris foi tão bela, nunca os incautos figurantes parisienses provocaram uma
encenação tão solidária e tão solitária. Nunca o amor terá parecido tão feérico
mas tão distante.
jef,
agosto 2021
«O
Signo do Leão» (Le Signe du Lion) de Éric Rohmer. Com Jess Hahn, Michèle
Girardon, Van Doude, Paul Bisciglia, Gilbert Edardt Christian Alers, Paul
Crauchet, Jill Olivier, Sophie Perrault, Stéphane Audran, Jean Le Poulain. Argumento:
Éric
Rohmer, com diálogos de Paul Gégauff. Produção: Claude Chabrol e Roland Nonin. Fotografia:
Nicolas Hayer. Música: Louis Saguer. França, 1969, P/B, 103 min.
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