Após
a trilogia do silêncio («A Aventura» 1960, «A Noite»1961 e «O Eclipse» 1962),
Antonioni entrega-se à cor e a um mundo sem sombras. Entrega, ainda, a Monica
Vitti (Giuliana) a insegurança, porque não demência, de um mundo tecnológico e
industrial, de cores absurdamente por saturar, onde não há espaço para o refúgio,
onde as enguias sabem a petróleo, as escórias cobrem de negro viscoso os planos
naturais e o nevoeiro tolda a visão até que esta apenas se faça através da
desfocagem.
«– Mas o querem
eles que eu faça com os meus olhos?
O que devem eles guardar?
–Tu
dizes: Que devo guardar? Eu digo: Como devo viver? É a mesma coisa.»
A
obsessão em definir o olhar é permanente em Antonioni. Por isso ele altera as
sequências narrativas, por isso também desfoca o centro do campo de visão e
sobrepõe a música electrónica de Vittorio Gelmetti para que o olhos não se
habituem ao habitual. Estranhem, entranhem (como dizia o outro).
Nunca
Monica Vitti esteve tão próxima (dentro) da solidão, a léguas de um olhar,
ainda mais distante de um beijo.
Nunca
o impulso sexual esteve tão íntimo, tão fragmentado e reprimido como nas cenas
dentro da barraca vermelha do porto. Nunca a história que Giuliana conta ao
pequenino Valerio doente se avizinha tanto de um sonho silencioso e quimérico. Impossível.
Em seu redor forma-se uma parede ruidosa e industrial, vigilante, de greves e
trabalho deslocado, onde os robôs da Meccano e os giroscópios vigiam o sono e
subtraem a privacidade.
Nunca
a tentativa de beijo de Corrado (Richard Harris) foi tão inglória e casta. E a
recusa de Giuliana, tão arrasadora, angustiante e, simultaneamente, tão débil.
A
ausência de sombras neste filme retira a possibilidade de nos escondermos. A
presença do nevoeiro e do fumo impede o nosso olhar de verificar o sentido do
amor.
E a cor neste filme é coisa soberba e extravagante!
jef,
agosto 2021
«O
Deserto Vermelho» (Il Deserto Rosso) de Michelangelo Antonioni. Com Monica
Vitti, Richard Harris, Carlo Chionetti, Xenia Valderi, Rita Renoir, Lili Rheims,
Aldo Grotti Valerio Bartoleschi, Emanuela Pala Carboni, Bruno Borghi, Beppe
Conti, Giulio Cotignoli, Giovanni Lolli. Argumento: Michelangelo
Antonioni e Tonino Guerra. Produção: Tonino Cervi e Angelo Rizzoli. Fotografia:
Carlo Di Palma. Música: Giovanni Fusco e Vittorio
Gelmetti (electrónica), Cecilia Fusco. Som: Mario Bramonti, Renato Cadueri, Claudio
Maielli. Itália / França, 1964, Cores, 117 min.
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