Este
filme é tão belo quanto estranho. De uma estranha beleza estética, luminosa e
musical, tão fora do comum que até poderíamos pensar estar a assistir a um
filme do expressionismo mudo, ou um filme sobre a universalidade do fim das
sociedades para que outras despontem, ou à estética de uma casa aristocrática em
ruínas, de uma família que vai inexoravelmente desaparecer mas que tem de resistir
até à morte da última célula.
Contudo,
tudo ali é indiano (bengali): desde a primeira cena no terraço do palacete,
quando Chhabi Biswas (Biswambhar Roy) pede o seu sorvete ao criado (Kali Sarkar)
e pergunta de onde surge a música que está a ouvir, até ao louco, claro e final
galope do cavalo pela praia em direcção a um futuro que terminara lá atrás. À longa
quase hipnótica dança num salão decadente observada pelos retratos de uma imensa sequência de patriarcas que não terá continuidade. À luz das velas nos
candeeiros que se extinguirão para sempre. Ao reflexo de um espelho. À densa simbologia animal, dos
morcegos à aranha, dos cães ao cavalo branco, do elefante à chegada do
automóvel ocidental que traz o filho néscio do usurário. O sorriso magnânimo do
protagonista sobre o fim do mundo é de uma tristeza nostálgica sublime.
A mais bela e crua definição de solidão.
Passou-me
pela memória a universalidade emocional do final de certos filmes de Michelangelo
Antonioni, Federico Fellini ou John Ford.
jef,
janeiro 2023
«O
Salão de Música» (Jalsaghar) de Satyajit Ray. Com Chhabi Biswas
(Biswambhar Roy), Padma Devi (mulher de B. Roy), Gangapada Basu (Mahim
Ganguli), Tulsi Lahiri (intendente), Kali Sarkar (criado), Pinaki Sen Gupta (a
criança). Argumento: Satyajit Ray baseado na história de Tarashankar
Bandhopadhaya. Produção: Satyajit Ray. Fotografia: Subrata Mitra. Música:
Ustad Vilayat Khan com participação de Begum Akhtar, Bismillah Khan, Wahid Khan
e Roshan Kumari. Índia, 1958, Cores, 98 min.