É
mesmo impossível não ligar este filme à «Janela Indiscreta» de Hitchcock
(1954). E o curioso, mesmo que Kieslowski não o tenha feito de propósito, é que
a misteriosa (maravilhosa) empatia envidraçada de James Stewart e Grace Kelly,
um misto de suspense, intriga, fotogenia sublime, voyeurismo, enlace
amoroso-erótico, também existe na tensão existente entre a juventude grácil de Irène
Jacob, Valentina, uma modelo de olhar quase inocente quase adolescente, perdida
entre amores também eles envidraçados pelas janelas ou pelo ciúme, e o velho juiz
aposentado, solitário, ressabiado, invasor de privacidades telefónicas, que
deixa fugir a cadela para que esta seja atropelada e, assim, se encontre
com Valentina. Nesta trama tão simples e novelesca, o empedernido juiz é um soberbo Jean-Louis Trintignant que, mais
pelo olhar e o silêncio do que por palavras, sai do casulo rancoroso para
se entregar ao carinho amoroso da modelo. A cena da troca de uma frágil lâmpada
fundida e as pedras que estilhaçam as janelas invadindo as velhas salas, são metáforas
extraordinárias.
E
se «A Janela Indiscreta» pode ser a epígrafe desta fábula eterna sobre a fraternidade
e o amor, a respectiva e exigível moral do conto está nas lágrimas finais do
juiz ao escutar o desfecho e o salvamento do naufrágio do ferry que atravessa o
lago Léman.
jef,
janeiro 2023
«Três
Cores: Vermelho» (Trois Couleurs: Rouge) de Krzysztof Kieslowski. Com
Irène Jacob, Jean-Louis Trintignant, Frédérique Feder, Jean-Pierre Lorit, Samuel
Le Bihan, Marion Stalens, Jean Schlegel, Juliette Binoche, Benoît Régent, Zbigniew
Zamachowski, Julie Delpy. Argumento: Krzysztof Kieslowski, Krzysztof Piesiewicz.
Produção: Marin Karmitz, Yvon Crenn. Fotografia: Piotr
Sobocinski. Música: Zbigniew Preisner. Suiça / França, 1994, Cores, 99 min.
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