Aparentemente, este livro pode ser um livro de auto-ajuda
(se tivesse sido eu a escrevê-lo) para sustentar, interpretar, apresentar ou
ocultar o medo da morte ou o medo de estar morto. Contudo, eu jamais conseguiria
escrever como Julian Barnes, não tenho tal dote ou estilo ou inspiração. Não
tenho esse modo de ser muito britânico e incisivo mas que conhece (e ama) a
cultura francesa oitocentista como ninguém e que sempre abraçou o modo
romântico e ternurento de nos cativar e comover.
Também não seria capaz de puxar o lado de biógrafo do autor
premiado. Aqui, vamos seguindo a história, cruzada por muitas outras, do
escritor francês Jules Renard, do seu diário e da morte da sua família.
Visitamos-lhe o mausoléu em Chitry-les-Mines. Também ficamos a conhecer os erros
de memória e os lapsos históricos dos avôs e dos pais de Julian Barnes.
Seguimos a história de como ele (escritor) e o seu irmão (filósofo) interpretam
de modo diferente esses erros e lapsos, de como colecionavam selos diferentes,
de como eram diferentes por terem sido diferentemente amamentados pela mãe.
Depois, Julian Barnes nega tudo e reafirma a essa ideia de ateu de que, a existir Deus, ele é um ser brincalhão que, desde o início da
humanidade e até sempre, lhe pregará a partira de esconder a porta para a
eternidade, como fazem os etologistas quando colocam os ratinhos dentro de
caixas-labirinto dissimulando o alçapão que dá acesso ao queijo.
E o mais interessante do livro é sabermos como Julian Barnes
é também minucioso a pesquisar a verdade na obra e na vida de certas
personalidades para redigir biografias romanceadas: Gustave Flaubert, Samuel
Jean de Pozzi ou Dimitri Chostakovitch.
No fundo, este livro traduz-se numa “falsa” auto-biografia familiar
que vai traduzindo o cerne da obra de Julian Barnes: a vida (a escrita) existe
para brincar às escondidas com os erros e as adulterações que a memória, mais
uma vez recordada, faz repercutir sobre a verdade.
«A ficção é feita por um processo que
combina liberdade total e controlo absoluto, que equilibra a observação precisa
e o jogo livre da imaginação, que utiliza mentiras para dizer a verdade e a
verdade para dizer mentiras. É ao mesmo tempo centrípeta e centrífuga. Quer
contar todas as histórias em toda a sua incoerência, contradição,
insolubilidade; ao mesmo tempo quer contar a única história verdadeira, a que
se funde e refina e resolve todas as outras. O romancista é ao mesmo tempo um
cínico reles e um poeta lírico, que se inspira na insistência austera de
Wittgenstein – “fala só do que conheces verdadeiramente” – e o descaramento
alegre de Stendhal.»
E, por fim, o melhor mesmo é não temer a morte pois ela é coisa mais do que
certa.
jef, janeiro 2023
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