quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Sobre o livro «Nada a Temer» de Julian Barnes, Quetzal, 2011. Tradução de Helena Cardoso.


 









Aparentemente, este livro pode ser um livro de auto-ajuda (se tivesse sido eu a escrevê-lo) para sustentar, interpretar, apresentar ou ocultar o medo da morte ou o medo de estar morto. Contudo, eu jamais conseguiria escrever como Julian Barnes, não tenho tal dote ou estilo ou inspiração. Não tenho esse modo de ser muito britânico e incisivo mas que conhece (e ama) a cultura francesa oitocentista como ninguém e que sempre abraçou o modo romântico e ternurento de nos cativar e comover.

Também não seria capaz de puxar o lado de biógrafo do autor premiado. Aqui, vamos seguindo a história, cruzada por muitas outras, do escritor francês Jules Renard, do seu diário e da morte da sua família. Visitamos-lhe o mausoléu em Chitry-les-Mines. Também ficamos a conhecer os erros de memória e os lapsos históricos dos avôs e dos pais de Julian Barnes. Seguimos a história de como ele (escritor) e o seu irmão (filósofo) interpretam de modo diferente esses erros e lapsos, de como colecionavam selos diferentes, de como eram diferentes por terem sido diferentemente amamentados pela mãe.

Depois, Julian Barnes nega tudo e reafirma a essa ideia de ateu de que, a existir Deus, ele é um ser brincalhão que, desde o início da humanidade e até sempre, lhe pregará a partira de esconder a porta para a eternidade, como fazem os etologistas quando colocam os ratinhos dentro de caixas-labirinto dissimulando o alçapão que dá acesso ao queijo.

E o mais interessante do livro é sabermos como Julian Barnes é também minucioso a pesquisar a verdade na obra e na vida de certas personalidades para redigir biografias romanceadas: Gustave Flaubert, Samuel Jean de Pozzi ou Dimitri Chostakovitch.

No fundo, este livro traduz-se numa “falsa” auto-biografia familiar que vai traduzindo o cerne da obra de Julian Barnes: a vida (a escrita) existe para brincar às escondidas com os erros e as adulterações que a memória, mais uma vez recordada, faz repercutir sobre a verdade.

«A ficção é feita por um processo que combina liberdade total e controlo absoluto, que equilibra a observação precisa e o jogo livre da imaginação, que utiliza mentiras para dizer a verdade e a verdade para dizer mentiras. É ao mesmo tempo centrípeta e centrífuga. Quer contar todas as histórias em toda a sua incoerência, contradição, insolubilidade; ao mesmo tempo quer contar a única história verdadeira, a que se funde e refina e resolve todas as outras. O romancista é ao mesmo tempo um cínico reles e um poeta lírico, que se inspira na insistência austera de Wittgenstein – “fala só do que conheces verdadeiramente” – e o descaramento alegre de Stendhal.»

E, por fim, o melhor mesmo é não temer a morte pois ela é coisa mais do que certa.


jef, janeiro 2023

 

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