Cremilda Medina, no seu álbum de estreia «Folclore», sofre de
uma contradição inevitável. Na sua voz timbrada, livre e aberta, na sua vocação
cançonetista, tenta fugir a sete pés da interioridade nostálgica da morna ou da
tristeza sem fundo do fado. Contudo, ela é cabo-verdiana e tem de levar aos
ombros a tradição de um dos países do mundo mais asinhos em termos musicais. Então,
como fazer? Talvez seguir um modo muito brasileiro de colocar a tristeza no
centro da própria alegria. O samba consegue-o naturalmente, geneticamente, sem
complexos. Ela sabe isso e não teme acompanhá-lo.
Cremilda Medina adora cantar e sabe que é necessário dançar
com o coração. Em algumas canções acelera o ritmo, noutras adopta, de corpo e
alma, os arranjos orquestrais de Kim Alves para invadir o salão de baile em dias
de Carnaval. Ali fica o samba, a coladera e até a morna. Só no fado «Sou
Crioula» (José Eduardo Agualusa / Ricardo Cruz), e que bem que ela o copia, se rende ao
tom lento da saudade. Nas restantes cantigas, é na pista de dança
meio-sinfónica, meio-sem-tempo, que ela as situa. Não esquece Morgadinho,
Paulinho Vieira, Manuel d’Novas, mas a eles junta Ti Goi, Jon Luz e, claro, Kim
Alves.
E, assim, Cremilda Medina vai resolvendo a música eterna e o
futuro contraditório com a alegria da sua juventude e a clareza de uma voz que une
mares e continentes.
jef, março 2018
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