quinta-feira, 8 de março de 2018

Umbilical










No sentido do Mar inscreve-se
a sua própria ausência.
Dito de modo mais prático, a sua necessidade,
a sua falta.
Um véu ténue e paradoxal,
uma muralha bruta,
que sem o dizer vem declarar
aristocraticamente
tudo aquilo que desapareceu.
A maré vaza,
a onda a recuar,
a imensidade profunda,
a altura sem fim,
do que não é possível reaver
jamais iremos rever
não mais tocaremos.

[A mão adormecida, a curva do pescoço, o olhar na desculpa,
o suspiro de impaciência.]

É o imenso e trágico
movimento da água
feito somente para se ausentar,
em definitivo.
Imenso e trágico, repito.
O vácuo universal, por mínimo,
a diluir-se no abismo.
Tentem lançar uma moeda ao fundo do alto mar
e depois recuperá-la.
O jogo caótico de moléculas substituindo incessantemente
o sangue e o sal nas células
em direcção ao fim,
medusa infinita de seres múltiplos que alienam o braço translúcido
na exigência de oferecer novos dias ao futuro.
Passatempo das moléculas
que se transformam
na busca furiosa do esquecimento.
Cnidário translúcido se a luz o recebesse,
esquecido da cor no ácido,
em movimento lânguido,
no escuro salgado,
por quilómetros de altitude marinha.
A vida por um fio
inconsequente e sem termo
como o doce veneno no braço separado da hidra
ou o vazio côncavo do mar em espelho
ou o convexo brilho das ondas
ou o cheiro firme por desaparecido,
invisível, que se afunda na melancolia e na salsugem.
Sabemos que a moeda está lá mas não mais a veremos,
Sabemos do braço da medusa mas não lhe poderemos tocar.

Guardemos então do Mar,
 a memória da âncora,
do cordão mártir que a prendeu,
do que existiu apenas para deixar de existir,
para partir,
para deixar partir,
para nos deixar partir
porque assim foi concebido
para fazer desaparecer
tudo aquilo que já sabíamos
[A palma da mão ao sol, a inclinação suave do sorriso, o olhar que já conhece o fim.]

O Mar é isso
ou o seu contrário
ou a sua carência,
e por ela sentimos o vão incerto da maré
dissolvendo para sempre o odor perene
na férrea maresia
oxidando a memória
e a matéria da medusa
e da âncora
e do fio,
que aos poucos
se desfaz para mais à frente refazer
a substância da saudade
escondida na pele infinita do oceano.

jef, 8 de março de 2018

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