domingo, 18 de novembro de 2018

Sobre o filme «Cega Paixão» de Nicholas Ray, 1952











Não existe título português mais (delirantemente) tolo para um filme como este. «Cega Paixão»!
Não existe banda sonora mais perfeita e melhor aplicada. Bernard Herrmann!
Não existe obscuridade tão bem filmada, nem reflexo branco tão cenográfico como os que George E. Diskant aqui nos entrega!

Um drama policial onde a violência eficaz do solitário detective Jim Wilson (Robert Ryan) o ultrapassa, levando-nos a crer que aquele homem que se move na cidade nocturna, entre viaturas suspeitas, becos escuros e casas devassadas, devendo suspender o crime, é ele próprio o centro da ansiedade e da desconfiança urbanas. Jim Wilson tem o seu próprio método e lava as mãos com igual rancor.

Um melodrama casto onde, no meio da neve pura, a casa de Mary Malden (Ida Lupino) – e de Danny Malden (Summer Williams) – é a reposição quase sagrada, quase bucólica, da reconciliação e da confiança humanas.

Não existem melhores cenários para Nicholas Ray, hipersensível, híper-reactivo, híper-teórico e expressionista, colocar os seus super-anti-heróis na demanda do fundamento da própria solidão. Jim Wilson e Mary Malden estão (são?) estruturalmente sós. Encontram-se. No calor daquela casa, Jim agradece a confiança sem barreiras de Mary. Desencontram-se. Mary teme mas agradece que ele não a tenha ajudado. Contudo, a noite na cidade e a neve do Colorado ainda muito devem ao acto final daquele que podia ser uma ode clássica sobre o eterno poder que o coração tem de perdoar(-se).

Nicholas Ray sabe mesmo como transformar cada uma das cenas num discurso conciso sobre a ética e a estética no cinema. E apanha-nos sempre de surpresa.

jef, novembro 2018
                                                                      
«Cega Paixão» (On Dangerous Ground) de Nicholas Ray. Com Robert Ryan, Ida Lupino, Ward Bond, Charles Kemper, Anthony Ross, Ed Beglay, Summer Willians, Ian Wolfe, Frank Ferguson, Gus Schilling, Cleo Moore, Olive Carey. Argumento a partir do livro «Mad With Much Heart» de Gerald Butler. Fotografia: George E. Diskant. Música: Bernard Herrmann. EUA, 1950/1952, P/B, 80 min.

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