Não existe título português mais (delirantemente) tolo para
um filme como este. «Cega Paixão»!
Não existe banda sonora mais perfeita e melhor aplicada.
Bernard Herrmann!
Não existe obscuridade tão bem filmada, nem reflexo branco
tão cenográfico como os que George E. Diskant aqui nos entrega!
Um drama policial onde a violência eficaz do solitário detective
Jim Wilson (Robert Ryan) o ultrapassa, levando-nos a crer que aquele homem que
se move na cidade nocturna, entre viaturas suspeitas, becos escuros e casas
devassadas, devendo suspender o crime, é ele próprio o centro da ansiedade e da
desconfiança urbanas. Jim Wilson tem o seu próprio método e lava as mãos com
igual rancor.
Um melodrama casto onde, no meio da neve pura, a casa de Mary
Malden (Ida Lupino) – e de Danny Malden (Summer Williams) – é a reposição quase
sagrada, quase bucólica, da reconciliação e da confiança humanas.
Não existem melhores cenários para Nicholas Ray, hipersensível,
híper-reactivo, híper-teórico e expressionista, colocar os seus
super-anti-heróis na demanda do fundamento da própria solidão. Jim Wilson e
Mary Malden estão (são?) estruturalmente sós. Encontram-se. No calor daquela
casa, Jim agradece a confiança sem barreiras de Mary. Desencontram-se. Mary
teme mas agradece que ele não a tenha ajudado. Contudo, a noite na cidade e a neve do
Colorado ainda muito devem ao acto final daquele que podia ser uma ode clássica
sobre o eterno poder que o coração tem de perdoar(-se).
Nicholas Ray sabe mesmo como transformar cada uma das cenas
num discurso conciso sobre a ética e a estética no cinema. E apanha-nos sempre
de surpresa.
jef, novembro 2018
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