Sérgio Tréfaut é um cineasta justo, académico.
Intuitivo e experimentalista.
«Raiva» é um filme que não teme deixar-se levar pelas suas
influências, pela sua justa experiência. Também pelas nossas influências.
«Seara de Vento» é um belíssimo livro de Manuel da Fonseca,
publicado em 1958. De onde a história sai.
A paisagem alentejana tem uma beleza atroz, filmada a preto e
branco, fotografada por Acácio de Almeida.
Isabel Ruth (a mãe, a sogra, a avó Amanda Carruca) é o (meu)
cinema português. Magistral!
Hugo Bentes não é actor, é cantador para as bandas de Serpa.
Mas transforma a raiva de António Palma em sustento plástico e dramático,
interior e casto. Avesso à sociedade e à mobilização política. Diria
anti-neo-realista. Extraordinário!
A academia e a experimentação de Tréfaut impede-o de fornecer
ao espectador a comiseração pela fome de 1950 em Portugal, mas consegue impor a
estética do teatro (quase da dança) de uma ira pura, silenciada, (in)contida.
Lembro-me de Pina Bausch, entre movimentos, cadeiras e
destroços.
Lembro-me dos heróis destruídos pela solidão e das paisagens
lineares e apoteóticas de John Ford.
Lembro-me de «O Cavalo de Turim» de Béla Tarr (2011).
Lembro-me de «A Terra Treme» de Luchino Visconti (1948).
Lembro-me de «O Lírio Quebrado» de D. W. Griffith (1919).
Lembro-me do «Evangelho Segundo São Mateus» de Pier Paolo
Pasolini (1964).
Lembro-me de «Andrei Rublev» de Andrei Tarkovsky (1966).
Lembro-me de «Mal Nascida» de João Canijo (2007).
Lembro-me de «Sicília» de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet (1999).
Lembro-me de «Sicília» de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet (1999).
Talvez sejam referências em demasia, presunçosas, mas a
memória é coisa assim…
Sérgio Tréfaut tem razão: o bom cinema é para ser
contemplado, contido, estilizado. Os bons livros devem ser relidos. Manuel da
Fonseca relembrado. A fome e a injustiça não poderão ser esquecidas. No Alentejo.
No mundo. Uma questão de dignidade!
jef, novembro 2018
«Raiva» de Sérgio Tréfaut.
Com Isabel Ruth, Leonor Silveira, Hugo Bentes, Kaio César, Rita Cabaço, Adriano
Luz, Lia Gama, Diogo Dória, Dinis Gomes, Catarina Wallenstein, Luis Miguel
Cintra, Herman José, Rogério Samora, Sergi López. Portugal, Brasil, França,
2017, P/B, 85 min.
Filme brutal,belo, a partir de um livro brutal,belo.
ResponderEliminarUm filme importante. Estético e digno.
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