domingo, 4 de novembro de 2018

Sobre a exposição «Postais» de André Ruivo, Casa da Cultura, Setúbal, Novembro 2018














Queridos Padrinhos
Como vão de ânimo e saúde? O Toneca está bem?
A viagem tem sido óptima. Setúbal é linda, as ruas bonitas, o choco ‘frrrito’ maravilhoso.
Esperando que tudo convosco esteja a correr do melhor modo, despeço-me com um beijinho.
O vosso Joaquim.
P.S. Quando chegarmos, eu e a Ana visitá-los-emos. Levaremos doces daqui.

Para que nos serve um postal? Coisa antiga, uso decadente. Ainda enviado? Ainda recebido? Mil vezes guardado, outras quantas rasgado. Porquê um espaço tão acanhado para escrever, do lado inverso a uma imagem repetida? O postal está ali, à mão de semear, no expositor de um quiosque para turistas de passagem.
Escreve-se a quem se ama. Marca-se presença por fastio. Recorda-se o lapso. A solidão da viagem. A alegria do passeio. O deleite do almoço em lugar desconhecido. Afinal, escreve-se para si próprio mesmo que todos possam ler debaixo de um carimbo esborratado. A começar pelo carteiro. Ou talvez o postal fique abandonado, nunca reclamado. Posta-restante.

André Ruivo desenvolve através da mancha de cor absoluta, para não dizer primária, que é erro ou talvez ofensa, as duas dimensões a que o postal ilustrado obriga. Diria uma dimensão egípcia, bilateral, onde a profundidade se olha na superfície plástica das figuras. Quase todas de olhos fechados, introspectivos ou sedentos de silêncio, excepto as que vêem o escuro nocturno, ou a cadência de um bar ou a quietude de um tinteiro, de uma garrafa. Debaixo do chapéu, só a chuva saberá se estão de olhos bem abertos.

Esta colecção de 22 postais futuristas vem do éter ‘past internet post’, onde têm sido vistos de há dois anos até hoje. São aqui exibidos na enorme e paradoxal dimensão da 420 x 297 mm, com o mérito de sublinhar (e há aqui o dever de olhar bem de frente para o étimo da palavra ‘linha’), limitando o ilimitado plano-pano de fundo da obstinada cor cenográfica de André Ruivo.

E a cor tem uma importância crucial. A sua ausência (se exceptuarmos o preto gráfico e o branco do papiro) molda a evolução do artista. Compare-se, em jeito de exemplo, o negro e o claro de «Mystery Park» (chili com carne, 2012) com a sub-reptícia linha colorida de «Gangsters» (Inspector Cheese Adventures, 2012), em óbvia introspecção analítica. Depois, perceba-se a exorbitância cromática de «Retratos» (MMMNNNRRRG, 2017) ou «As Aventuras de Qualquer Coisa» (Stolen Books 2018).

Reparou na diferença?

Agora, vá! Não tema! Mergulhe no infinito horizonte colorido dos Postais de André Ruivo e não hesite em escrever um deles aos seus paizinhos.

jef, novembro 2018

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