quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Sobre o filme «Guerra Fria» de Pawel Pawlikowski, 2018




















Já no filme «Ida» (2013), o realizador Pawel Pawlikowski encontrara esse misterioso potencial definidor, talvez purificador, da película a preto e branco, enquadramento restrito, em jeito de 35 mm. Uma vocação estilizadora que obriga os planos a serem concretos e a estética dos decores, a luz da noite, os personagens, a integrarem a geografia do espaço, amplo mas em simultâneo limitado, do grande ecrã. [Eu aprendi a olhar essa dimensão, quase gelada no ecrã, quase devoção, em «Andrei Rublev» de Andrei Tarkovsky (1966).]

Também a música em «Ida» ampliava a angústia do crescimento a que a personagem principal se sacrifica.

Em «Ida», o realizador polaco já nos deixara essa aproximação ao fundamento da beleza com a actriz Joanna Kulig. Uma espécie assombro que nos faz desejar mais imagens. Uma espécie de deslumbramento que, na realidade, nos vem tocar. [Assim é Rita Hayworth em «Gilda» (Charles Vidor, 1948); Marilyn Monroe em «O Pecado Mora ao Lado» (Billy Wilder, 1955); Monica Vitti em «O Eclipse» (Michelangelo Antonioni, 1962); Jean Seberg em «O Acossado» (Jean-Luc Godard, 1960); Scarlett Johansson em «Match Point» (Woody Allen, 2005) e, claro, Harriet Andersson em «Mónica e o Desejo» (Ingmar Bergman, 1953).]

Porém, «Guerra Fria» é um filme musical realizado para Joanna Kulig, para essa cantora, de nome Zula que, adolescente, deslumbra, desvenda e esconde, provoca, seduz mas teme e resigna-se, preparando-se para crescer e desvanecer-se numa Europa dividida a meio por uma cortina de ferro tão densa como as fronteiras que obrigam e transfiguram o amor.

«Guerra Fria» tem uma imagem prodigiosa repleta de intenção. Uma intenção estética tão condensada que pode ficar contida numa única cena, a última. Zula diz a Wiktor (Tomasz Kot), enquanto aguardam sentados na paragem de camioneta: «Mudemos de lugar, dali a vista é mais bonita.»

jef, novembro 2018
                                                               
«Guerra Fria» (Cold War) de Pawel Pawlikowski. Com Joanna Kulig, Tomasz Kot, Borys Szyc, Agata Kulesza, Jeanne Balibar, Cédric Kahn, Adam Woronowicz, Adam Ferency, Aloïse Sauvage. Fotografia:  Łukasz Żal. Polónia / Grã-Bretanha / França, 2018, P/B, 88 min.

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