Já no filme «Ida» (2013), o realizador Pawel Pawlikowski
encontrara esse misterioso potencial definidor, talvez purificador, da película
a preto e branco, enquadramento restrito, em jeito de 35 mm. Uma vocação
estilizadora que obriga os planos a serem concretos e a estética dos decores, a
luz da noite, os personagens, a integrarem a geografia do espaço, amplo mas em
simultâneo limitado, do grande ecrã. [Eu aprendi a olhar essa dimensão, quase
gelada no ecrã, quase devoção, em «Andrei Rublev» de Andrei Tarkovsky (1966).]
Também a música em «Ida» ampliava a angústia do crescimento a
que a personagem principal se sacrifica.
Em «Ida», o realizador polaco já nos deixara essa aproximação
ao fundamento da beleza com a actriz Joanna Kulig. Uma espécie assombro que nos faz desejar mais imagens.
Uma espécie de deslumbramento que, na realidade, nos vem tocar. [Assim é Rita
Hayworth em «Gilda» (Charles Vidor, 1948); Marilyn Monroe em «O Pecado Mora ao
Lado» (Billy Wilder, 1955); Monica Vitti em «O Eclipse» (Michelangelo
Antonioni, 1962); Jean Seberg em «O Acossado» (Jean-Luc Godard, 1960); Scarlett
Johansson em «Match Point» (Woody Allen, 2005) e, claro, Harriet Andersson em
«Mónica e o Desejo» (Ingmar Bergman, 1953).]
Porém, «Guerra Fria» é um filme musical realizado para Joanna
Kulig, para essa cantora, de nome Zula que, adolescente, deslumbra, desvenda e
esconde, provoca, seduz mas teme e resigna-se, preparando-se para crescer e
desvanecer-se numa Europa dividida a meio por uma cortina de ferro tão densa
como as fronteiras que obrigam e transfiguram o amor.
«Guerra Fria» tem uma imagem prodigiosa repleta de
intenção. Uma intenção estética tão condensada que pode ficar contida numa única cena, a última. Zula diz a Wiktor (Tomasz Kot), enquanto aguardam sentados na paragem de
camioneta: «Mudemos de lugar, dali a vista é mais bonita.»
jef, novembro 2018
«Guerra Fria» (Cold War) de Pawel Pawlikowski. Com Joanna
Kulig, Tomasz Kot, Borys Szyc, Agata Kulesza, Jeanne Balibar, Cédric Kahn, Adam Woronowicz, Adam Ferency,
Aloïse Sauvage. Fotografia: Łukasz Żal. Polónia
/ Grã-Bretanha / França, 2018, P/B, 88 min.
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