Os críticos poderão chamar a este filme piegas, melodramático.
Muitos dirão que Londres (ou Kent) não merece imagem tão depressiva ou lamechas.
Que isto é mais para a lágrima do que para o cinema.
Mentira!
A realidade não é o teatro mas o teatro é indispensável à
realidade. O cinema de Mike Leigh também! Podemos deste modo apaziguar a nossa
fúria através da consciência que a emotividade despoleta. Os antigos chamavam a
essa ignição «pathos». E Mike Leigh é um combatente!
Penny (Lesley Manville) é caixa num hipermercado e é casada
com Phil (Timothy Spall) que é um taxista deprimido que se levanta mais tarde
do que deve. Vivem com muito pouco dinheiro. Têm dois filhos obesos. Rory (James
Corden) e Rachel (Alison Garland). Rory apenas come e vê televisão, Rachel faz
limpezas num lar de idosos. São vizinhos de Maureen (Ruth Sheen) que nas horas
vagas passa a ferro e tem uma filha solteira e grávida de um energúmeno. A
outra vizinha é alcoólica. As três são amigas.
Mike Leigh é um enorme cineasta que desata os nós da
sociedade através dos nós do afecto e desafecto. Londres e Kent, Lisboa, Paris
e todas as cidades, vivem destes nós górdios, destas circunstâncias, que
limitam e condicionam a vida que devia ser bela, apesar da Desculpa, apesar do
Perdão. Apesar da decadência familiar.
Se os críticos não entendem o modo catártico com que o
realizador conclui o filme, não entenderão também o génio contido, por exemplo,
nas histórias de Anton Tchekov.
Anton Tchekov e Mike Leigh. Todo o melhor teatro (e o melhor cinema)
é social e será resolvido na profundidade familiar do Amor.
jef, novembro 2018
«Tudo ou Nada» (All Or Nothing) de Mike Leigh. Com
Alison Garland, Lesley Manville, Timothy Spall, James Corden,
Jean Ainslie, Ruth Sheen, Paul Jesson, Sally Hawkins. Música: Andrew Dickson; Fotografia:
Dick Pope. Grã-Bretanha /
França, 2002, Cores, 128 min.
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