Abdellatif
Kechiche provoca-nos o olhar. Olhamos porque, simplesmente, gostamos de olhar.
Estamos nas praias de Sète, Sul de França, férias de Verão. Agosto 1994. Um
grupo de primos e amigos reúne-se. Não há telemóveis. O realizador adapta
livremente o romance «La Blessure La Vraie» de François Bégaudeau (que já tinha
dado azo ao filme «A Turma» de Laurent Cantet, 2008).
Amin
(Shaïn Boumedine) chega da cinzenta cidade de Paris para a luz do Mediterrâneo.
Vai ter com Ophélie (Ophélie Bau) mas esta está com o seu primo Tony (Salim
Kechiouche). Mais tarde, vai à praia e encontra duas amigas, Charlotte (Alexia
Chardard) e Céline (Lou Luttiau). A mãe manda-o apanhar sol mas ele estuda
cinema e prefere ver no escuro do quarto «Arsenal» de Aleksandr Dovzhenko (1929). Assim o Verão
continua com o tempo que a luz prefere alongar.
É
nesse prolongar do tempo de exposição que está o segredo do filme. As cenas são
estudadas ao pormenor ou, pelo menos, repetidas até conseguir a perfeição de
uma ideia ou até que uma imagem surja indelével. Para isso é preciso dar tempo
aos actores para que dêem tempo aos personagens para que entreguem o mesmo
tempo ao espectador. Melhor, se entreguem ao olhar do espectador que, na sala de
cinema, não é tanto indiscreto mas muito mais cúmplice o que, neste aspecto, é
o seu contrário. Um olhar discreto e solidário.
A
câmara é colocada muito perto dos actores, quase os toca, numa intimidade
compassiva. Se namoram, se tomam banho, se almoçam na praia, se ordenham cabras
ou dançam na discoteca. Abdellatif Kechiche nunca desdenhou a proximidade sobre
a beleza dos corpos ou o distender do tempo contido numa refeição, numa
corrida, numa conversa banal.
Abdellatif
Kechiche deseja que o espectador faça parte do clã, sem juízo ou prejuízo. Só
com o olhar, ao sabor da pele. Então façamos-lhe a vontade e olhemos de olhos
bem abertos aguardando com tranquila ansiedade a próxima etapa. «Intermezzo», a
continuação, chegará em breve. Sim, haverá tempo!
jef,
fevereiro 2019
Kechiche,
Abdellatif «Mektoub, Meu Amor: Canto Primeiro» (Mektoub, My Love: Canto Uno).
Shaïn Boumedine, Ophélie Bau, Salim Kechiouche, Alexia Chardard, Lou Luttiau,
Hafsia Herzi, Salim Kechiouche, Shaïn Boumedine, Hafsia Herzi, Kamel Saadi,
Sieme Miladi, Estefania Argelich, Hatika Karaoui. Adaptação do romance «La
Blessure La Vraie» de François Begaudeau. Itália / França / Tunísia, 2017,
Cores, 181 min.
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