O filme vive em duas velocidades.
Existem os momentos pausados, quase
carinhosos, em que Rick Dalton (Leonardo DiCaprio), antigo herói de westerns
televisivos, luta contra o tempo que o coloca agora nos estúdios de cinema de
Hollywood dos finais dos anos 60. Novos cowboys que devem seguir as novas modas
de vestuário e cabelos compridos para novas plateias. Ele chora ao ver esse
tempo passar. Fuma e bebe muito. Mas tem o conforto de uma espécie de valete-pagem-irmão-duplo-motorista-bricoleur,
Cliff Booth (Brad Pitt), com quem partilha quase tudo na vida. Cliff Booth vive
o dia-a-dia sem questionar o tempo. Rick Dalton vive em
Hollywood, em Cielo Drive. É vizinho de Roman Polanski (Rafal Zawierucha) e Sharon
Tate (Margot
Robbie).
É o mesmo tempo lento em que Sharon Tate
circula grávida e sorridente, vendo filmes, flanando encantada por Los Angeles,
longe de Polanski por este ter viajado para outro continente. Tudo brilha e resplandece.
Os carros são maravilhosos, o guarda-roupa extraordinário, a banda sonora
magnífica.
Contudo, esse tempo de Woodstock (e
Vietname!), de filmes, música e amor, tem o peso da História. Estamos no início
do ano de 1969 e suspeitamos que terminará a 8 de Agosto de 1969, quando os
acólitos e ‘familiares’ de Charles Manson partem, sanguinários, do rancho
comunitário de Spahn em direcção a casa dos famosos vizinhos de Rick Dalton.
Claro que os factos reais, aqui, colocam o
espectador, durante a maior parte do filme, em tensão máxima, transtornando de
modo óbvio a suavidade da crise do Tempo que envolve a dupla Rick Dalton /
Cliff Booth ou a luminosidade casta que cobre os passos de Sharon Tate.
Nesta duplicidade temporal Tarantino é,
mais uma vez, fantástico!
Por outro lado, o realizador
presenteia-nos, claro, com as suas cenas encarnadas em alta voltagem, de um
suspense inacreditável, uma violência atroz, quer no rancho de Spahn, quer,
finalmente, na casa de Rick Dalton.
É, neste momento de alta velocidade, o
momento do sangue, quando o murro estala, o lancha-chamas ferve, a faca
espetada aguça a hemoglobina, que o espectador, em catarse, aplaude, suspira de
alívio e descansa!
Afinal, a realidade podia até ter sido diferente.
O cinema de Tarantino tem tido,
ultimamente, essa função justiceira, alterando o rumo à História, sublimando os
traumas colectivos mais impiedosos, fazendo a ficção moldar a realidade e
deixando o espectador de cara à banda, a sorrir face à possibilidade de fantasia. Assim
tem sido com «Sacanas Sem Lei» (2009), «Django Libertado» (2012), «Os Oito
Odiados» (2015).
Nada mais há de ficcionalmente verdadeiro! Nada mais psicanalítico!
[E só os grandes realizadores – Martin
Scorcese, Steven Soderbergh, irmãos Coen – conseguem extrair tanta energia
criativa de um conjunto tão grande de actores. Maravilhosos!]
jef, agosto 2019
«Era Uma Vez em... Hollywood» (Once Upon a
Time... in Hollywood) de Quentin Tarantino. Com Margot Robbie, James Marsden,
Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Dakota Fanning, Tim Roth, Luke Perry, Al Pacino,
Kurt Russell, Margot Robbie, Emile Hirsch, Margaret Qualley, Timothy
Olyphant, Dakota Fanning, Austin Butler, Bruce Dern, Damon Herriman, Rafal
Zawierucha. Grã-Bretanha / EUA, 2019, Cores, 159 min.
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