Suspeito vagamente que os críticos, hoje
em dia, considerem este um filme datado, ou seja, cristalizado no tempo, sem o
vigor da intemporalidade. Um filme que não consegue fugir às circunstâncias
social, política e moral de uma época muito especial, de um país e de mundo
muito particulares.
E não será pelo argumento cénico do
dramaturgo Harold Pinter, muito de palco, de vários palcos sobrepostos, como no
teatro isabelino, desse cruzamento extraordinário dos vários diálogos escutados
na popularidade do pub mergulhando as personagens principais, quase
silenciosas, caídas ali a boiar num aquário. Tudo envolvido na aura modernista
de um jazz burguês (John Dankworth), consumido por aristocratas blasés que falam da desmatação florestal do Brasil como se fosse a azeitona de um dry martini. Tudo enquadrado da sumptuosa fotografia de Douglas
Slocombe, espelhando as ruas molhadas ou o espraiar gélido da neve, em
esquadria com janelas fechadas, escadas de serviço ou pombos tristes.
Também não será pela expressionista crítica
política ou a troca de identidades sociais entre o requintado aristocrata Tony
(James Fox) e o manipulador criado Hugo Barrett (Dirk Bogarde). Muito menos
pela genial caracterização de Tony através do espelho na atitude da sua
namorada Susan (Wendy Craig) ou de Hugo pelo comportamento da sua amante-irmã
Vera (Sarah Miles). Ainda menos a aproximação homossexual praticamente explícita
quando, no jogo de escondidas, o criado procura o amo pela casa e vai
anunciando que este tem um ‘segredo vergonhoso’.
Tudo parece no sítio certo. As sombras à
Hitchcock. O suspense à Kubrick. A arquitectura à Antonioni. Os planos à Nicholas Ray. Os diálogos à
David Lean… porém, existe uma ostentação de estilo e uma pose cristalizada no
sorriso de Dirk Bogarde e na angústia arrogante de James Fox que me faz
descolar o coração do olhar à medida que o filme vai passando.
É, exactamente, no descolar do coração para a razão do espectador que se encontra a brilhante força politicamente dialéctica deste filme.
jef, agosto 2019
«O Criado» (The Servant) de Joseph Losey.
Com Dirk Bogarde, James Fox, Sarah Miles Wendy Craig, Harold Pinter. Argumento:
Harold Pinter segundo o romance de Robin Maugham. Fotografia: Douglas Slocombe;
Música: John Dankworth. 1963, Grã-Bretanha, P/B, 112 min.
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