E eis que, em 1932, aparece o terceiro
filme de Buñuel após o surrealismo estonteante de «Um Cão Andaluz» e «A Idade
de Ouro». Um filme rodado num mês pelas terras montanhosas de Espanha, Las
Hurdes, junto à fronteira com Portugal e pelas bandas da Serra da Gata. O dinheiro veio de um amigo anarquista
que ganhara a lotaria e a vocação de o realizar chegou da leitura do relatório etnográfico
do francês Maurice Legendre. Buñuel tinha regressado dos Estados Unidos e
Espanha chegava à Segunda República que proibiu o filme após a exibição nos
finais de 1933. Não era coincidente com as imagens que a república desejava dar
do seu país (futuro).
Porque Buñuel afasta-se drasticamente do
surrealismo e avança até à mais feroz realidade. Nota-se que o realizador fica
mergulhado por aqueles factos atrozes que deseja muito filmar pois coincidem com os seus sonhos mais estranhos e incoerentes.
Porque a realidade que se vê no filme é
brutal, estranha e ‘incoerente’! De surrealista Buñuel transforma-se em
realista (ou neo-realista), apesar da nota final, apesar das forças progressistas o terem rejeitado.
E entende-se,
causa ou consequência, como o sub-mundo da degradação humana de Las Hurdes veio
moldar, aperfeiçoar ou simplesmente confirmar a estética do realizador. O modo
cru de nos apresentar a miséria abjecta de Las Hurdes, talvez tenha sido o ‘golpe
de sorte’ no meio do ‘azar supremo’ de uma região e de um povo, que veio deixar
em carne viva o modo de filmar a sua fantasia interior. Outros, que não eu, chamar-lhe-ia
“a obsessão de Buñuel”.
Entende-se, ainda, por estas imagens, a angústia
secreta pela injustiça social e o afecto ‘escondido’ pelas crianças e pelos
animais na obra de Buñuel.
Confesso. Após ter visto de enfiada mais
de dezena e meia de filmes de Luis Buñuel, confirmo (a) que esta reportagem só poderia ter feita
pelas suas mãos, (b) que me deixou um superior aperto no coração e nos olhos e o
estômago virado do avesso. Luis Buñuel é um mesmo um génio e a sua obra transformou-se
para mim, a partir de agora, verdadeiramente psicossomática.
jef, agosto 2019
«Las Hurdes, Terra sem Pão» (Las Hurdes)
de Luis Buñuel. Com os habitantes de Las Hurdes. Voz off de Francisco Rabal. Argumento:
Luis Buñuel, baseado no estudo etnográfico de Maurice Legendre. Fotografia: Eli
Lotar. Música: 4ª Sinfonia de Brahms. Produção: Luis Buñuel. 1932, Espanha /
França, 29 min.
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