Segunda-feira. Cinema do Centro Comercial
Vasco da Gama, em Lisboa. Sessão das 18h15. A sala a abarrotar. Ou me engano
muito ou este filme português sobre as aventuras de um português
muitíssimo respeitável embora totalmente incomum, será um sucesso de
bilheteira, tornando-se um caso de estudo. E com toda a justiça!
(Lembram-se de «Cinema Paraíso» (Giuseppe
Tornatore, 1988) e «O Carteiro de Pablo Neruda» (Massimo Troisi e Michael
Radford, 1994)?)
O filme contém elementos que, em conjunto,
o fazem um dos filmes portugueses mais sérios, sinceros, honestos, discretos e comoventes.
E como é difícil tocar (sem tocar) numa das figuras mais especiais e
acarinhadas (porque não era de todo controverso) da música pop portuguesa dos
anos 80. E o realizador João Maia consegue rodar todo o filme em torno das
canções de António Variações sem o 'expor' ou beliscar qualquer dos temas ‘fracturantes’
adjacentes. Esses temas modernos que clamam por audiências e facilitam a crueldade mórbida
e a curiosidade voyeurista que tanto ensopa a arte hoje em dia.
O filme centra-se nessa centelha, incompreensível
talvez até para o próprio cantor, que o fazia amar de tripas, alma e coração a
sua própria música. E tudo o resto é filmado com uma cortesia e elegância, quase deferência, que muito
se aproxima da imagem bondosa que nós fazemos de António Variações, no televisivo
«Passeio dos Alegres» de Júlio Isidro ou nas festas do Jornal «se7e» no Campo
Pequeno. Isso é espantoso. É um filme sobre a bondade de que ele vivia e fazia
viver. E isso é raríssimo num filme.
Também é um filme que fala com pinças da
emigração para a capital e para a Europa, da guerra colonial, do avanço da
epidemia da SIDA, dos afectos homossexuais ‘livres’, de um país que, após o 25
de Abril, se ia reconstruindo a ouvir o novo rock, o punk, a pop, a electrónica…
Claro, que o actor Sérgio Praia tem um
papel importantíssimo nessa oclusão de persona dramática face à obra de arte. Sem
desejar colar-se ao ‘cliché António Variações’, representa-o como se o
estivesse a construir de dentro para fora. Não é ele mas entrega-lhe a
totalidade da sua própria obra de arte. Um papel único de esplendor e desaparecimento.
Claro que o rodeiam os actores Filipe Duarte, José Raposo, Teresa Madruga, Augusto
Madeira ou Tomás Alves.
Este é um filme, acima de tudo, sobre a solidão.
Essa solidão generosa, alegre mas aflita, que fazia António Variações compor,
cantar e viver «A Canção do Engate», «O Corpo É que Paga» ou «Dar e Receber».
Por todas as razões (incluindo as razões formativas),
e na minha modesta opinião, este filme merece esgotar as salas com gente de
todas as idades.
jef, agosto 2019
«Variações» de João Maia. Com Sérgio
Praia, Filipe Duarte, Victoria Guerra, Augusto Madeira, Tomás Alves, Madalena
Brandão, José Raposo, Teresa Madruga, Diogo Branco, Eric da Silva, Lúcia Moniz,
Miguel Raposo. Direcção musical: Armando Teixeira. Portugal, 2019, Cores, 109 min.
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