Moraldo (Franco Interlenghi), Alberto (Alberto Sordi), Fausto
(Franco Fabrizi), Leopoldo (Leopoldo Trieste) e Riccardo (Riccardo Fellini) são
cinco amigos inseparáveis que vivem ao correr da vida, sem ocupação e em dolce far niente. Seriam bons vivants se fossem ricos e as famílias
que os sustentam não fossem pobres ou remediadas, saídas de uma Itália “neo-realista”
do pós-guerra, devastada e tristemente alegre. Estamos a um ano da realização
de «A Estrada».
E o mundo de Fellini, auto-cinematográfico, pantomineiro, circense, simultaneamente alegre e abandonado, já construído por
episódios sucessivos, aparece aqui condensado numa comédia onde sabemos que
tudo pode acabar num mar de nostálgicas premências. Um mundo onde as mulheres são
o mote, a regra e a direcção, mas o homem, de modo infantil e volúvel,
obstinadamente lhes desobedece.
As cenas em que o baile de Carnaval substitui as de circo,
onde todos estão travestidos em personagens luxuriantes, terminam de manhã, com
um Alberto em lágrimas, bêbado, vestido de mulher, a arrastar uma cabeça de
gigantone, irremediavelmente devastado ao ver a irmã, sustento da casa, fugir
com o amante. Vai amparado por Moraldo, que não o abandona mas vai ficando cada
vez mais entristecido. Nesse baile, todas as personagens entram num jogo quase
fatal e exuberante. O seu destino foi ali traçado.
As cenas que antecedem o grande final, essas em que todos (e
Fausto principalmente) correm angustiados atrás de uma Sandra (Eleonora Ruffo)
desaparecida com um bebé nos braços, são de um apuro sublime da tragicomédia cinematográfica.
Um non sense muito mais
expressionista que neo-realista, a tocar o génio das comédias densas de Charlie
Chaplin.
E Charlot reaparece de novo na minha memória, numa das cenas mais memoráveis do cinema, quando Moraldo-Fellini parte de comboio, de madrugada, sem avisar e, na estação, surge apenas a despedir-se a criança-factor-ferroviário, o seu amigo-consciência, a imagem “maternal” da realidade fora da encenação.
«Onde vais?
Não sei. Vou-me embora.
Mas o que vais fazer?
Não sei. Preciso de partir. Vou-me simplesmente embora.»
E o comboio parte inelutável e, na sua trepidação, olhamos o
presente-futuro dos amigos que ficam, dormindo em inocente tranquilidade.
«Os Inúteis» (Il Vitelloni) de Federico Fellini. Com Franco
Interlenghi, Alberto Sordi, Franco Fabrizi, Leopoldo Trieste, Ricardo Fellini,
Eleonora Ruffo, Jean Brochard, Claude Farell, Carlo Romano, Enrico Viarisio,
Lida Baarova, Arlette Sauvage, Vira Silenti, Achille Majeroni, Guido Martufi. Argumento:
Federico Fellini, Ennio Flaiano, Tulio Pinelli, baseado numa ideia deste
último. Fotografia: Otello Martelli, Luciano Trasatti, Carlo Carlini. Música:
Nino Rota. Guarda-roupa: Margherita Mariani, Bomarzi. Produção: Lorenzo
Ogoraro. Itália / Paris, 1953, P/B, 103 min.
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