É extremamente difícil escrever sobre «A Voz da Lua». Ficou
como epitáfio da obra e da vida de Federico Fellini, personagem que nunca
separou o seu dia-a-dia dos filmes que ia criando, também das personagens, dos
cenários reais-falsos que construía, da música de filarmónica, da fantasiosa
trupe circense que sempre manteve junto a si. Porém, este não é um testamento,
apenas o último filme que realizou. Mas é tão denso, resume tão bem tudo que
para trás ficou dito e baralhado; é tão desencantado no modo abrupto como a
derradeira cena termina («Se todos fizéssemos um pouco de silêncio, certamente
havíamos de ouvir alguma coisa.», vindo do alto da Lua ou do fundo de um poço,
acrescento eu); que é pouco provável que alguém o consiga associar à
maravilhosa nostalgia que o universo felliniano deixou para todos nós.
A desamparada e ingénua figura de Roberto Benigni, no papel
de Ivo Salvini, apaixonado platonicamente por Aldina Ferruzzi (Nadia Ottaviani),
que o expulsa atirando-lhe um sapato de cinderela (e que ele lhe deseja, a todo
o custo, devolver), faz o contraponto com a figura desesperada, revoltada e
nervosa do advogado Gonnella (Paolo Villaggio) que pretende reverter o presente
para o conforto de um passado desaparecido. As televisões de Berlusconi e as
festas barulhentas a toldar a verdade dos factos e os singelos passos de uma
valsa. Salvini e Gonnella são as duas faces de uma Lua para sempre encarcerada
do desalento.
É, para mim, impossível sair de «A Voz da Lua» sem a absoluta
sensação de abandono e de fim. Talvez mesmo, de morte.
jef, setembro 2020
«A Voz da Lua» (La Vocce della Luna) de Federico Fellini. Com
Roberto Benigni, Paolo Villaggio, Marisa Tomasi, Nadia Ottaviani, Angelo
Orlando, Dario Ghirardi, Dominique Chevalier, Nigel Harros, Vito, Uta Schmidt,
George Taylor, Susy Blady, Giordano Falzoni, Ferruccio Brembilla. Argumento:
Federico Fellini, Tulio Pinelli e Ermanno Cavazzoni, baseado no romance deste
último «Il Poema dei Lunatici». Fotografia: Ronino Delli Colli. Música: Nicola
Piovani. Produção: Mario e Vittorio Cecchi Gori. Itália / Paris, 1990, Cores, 118
min.
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