Kelly
Reichardt é uma realizadora que cria objectos únicos, muito difíceis de
esquecer. Oferece-nos uma espécie de imagem impressionista de uma América
encantada-desencantada, bela, omnipresente, onde as personagens se movem entre
a solidão e o aconchego, entre o olhar e a paisagem. No silêncio. Filmes que,
todos eles, podiam ser mudos tal é a expressão emocional pela qual nos conta
histórias incomuns de personagens muito comuns.
Quando
vi «Wendy and Lucy» (2008) lembrei-me de «Sem Eira nem Beira» de Agnès Varda
(1985). Logo que vi este, agora, recordei «Homem Morto» de Jim Jarmusch (1995).
Nunca
mais deixei de associar Kelly Reichardt à brutal mas serena humanidade desses
dois realizadores magnânimos.
«First
Cow» tem uma epígrafe muito simples que resume poeticamente o filme inteiro.
William Blake diz: «O pássaro constrói o ninho, a aranha a teia, o homem a
amizade».
Cookie
(John Magaro) é um cozinheiro sensível e atento que tem uma queda especial para
os doces. King-Lu (Orion Lee) tem uma grande capacidade sonhadora para o
negócio. Devem protecção recíproca por via da sobrevivência mas, acima de tudo,
por simples amizade. Perdidos na fronteira do Oregon, vislumbram a chegada da
primeira vaca com o primeiro leite, trazida para adoçar o chá do chefe de posto
avançado fronteiriço (Toby Jones). E o negócio floresce.
O
filme vem na sequência de outros belos filmes da realizadora «O Atalho» (2010)
ou de «Certas Mulheres» (2016) mas traz este o ambiente afectuoso, simultaneamente
triste e terno, dos tempos de crise no inóspito mundo dos bandeirantes
americanos.
Um
filme que se deve assistir com o tempo e com a pausa. Como se estivéssemos numa
galeria silenciosa a admirar um quadro único.
jef,
julho 2021
«First
Cow – A Primeira Vaca da América» de Kelly Reichardt. Com Alia Shawkat, John
Magaro, Orion Lee, Toby Jones, Gary Farmer, Scott Shepherd, James
Lee Jones, Evie. Argumento: Kelly Reichardt e Jonathan Raymond,
segundo o romance deste «The Half-Life». Fotografia: Christopher Blauvelt. Música:
William Tyler. Produção: Neil Kopp. EUA, 2019, Cores, 122 min.
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