sábado, 24 de julho de 2021

Sobre o livro «A Mulher de Trinta Anos» de Honoré de Balzac, Colecção Horas de Leitura XIV. Guimarães Editores, 1960. Tradução de Jorge Reis.



 












«Entre esses dois corações há só um juiz possível. Esse juiz é Deus!

Deus que, muitas vezes, assesta a sua vingança no seio das famílias, e se serve eternamente dos filhos contra as mães, dos pais contra os filhos, dos povos contra os reis, dos príncipes contra as nações, de tudo contra tudo; substituindo no mundo moral os sentimentos pelos sentimentos, como as folhas novas na Primavera repelem as folhas velhas, agindo em vista de uma ordem imutável, de um fim que só ele conhece. Tudo vai para o seio de Deus, ou, melhor ainda, tudo para aí volta.»

 

Esta não será a visão de Deus escrita sem rodeios por Balzac. Esta é a sua visão política e social de um mundo que viu surgir a Revolução Francesa para se transformar, em pouco tempo, num império que impunha todas as novas velhas normas sociais.

Uma espécie de alegoria brilhante que se inicia em 1813, com a parada nas Tulherias das tropas de Napoleão, que seguirão para as fatídicas batalhas no centro da Europa, onde a jovem e coquete Júlia recusa as palavras do pai que a avisam do carácter pouco digno do garboso coronel Vítor d’Aiglemont, e que a tornará numa vigilante, seráfica, sedutora e reservada marquesa, mãe de cinco filhos. Júlia, mais tarde quase amante do Lorde Artur Grenville, quase amante de Carlos Vandenesse, quase mãe de Helena, esta que deverá partir oceano fora, escorraçada pela ausência do amor maternal.

Uma espécie de fábula sobre o desenvolvimento da beleza e da consciência feminina no interior de uma sociedade que a manieta e lhe rejeita a liberdade, a autonomia e o protagonismo. Uma grande novela que termina em 1844, quando a própria filha Moina, condessa de Saint-Hércen, recusa, por sua vez, ouvir as palavras de uma mulher de cinquenta anos, sobre a reputada leviandade do seu amante, Alfredo de Vandenesse.

O ciclo recomeça.

Balzac deseja, certamente, provocar a sociedade. Não é nada doce com a postura desgastada e pouco nobre de aristocratas, militares, políticos, ou notários. Não tem contemplação com os saltos narrativos que, quantas vezes deixam o leitor surpreso e incrédulo. Salta de episódio para episódio com o intuito de chegar a uma premissa, escondendo-a entre a folhagem da novela e da descrição, escondendo-se ele próprio, o narrador, entre as árvores da encosta para narrar a tragédia. Esconde por pudor e consideração as lágrimas da heroína anti-heroína, Júlia d’Aiglemont.

É essa a premissa política, a provocação literária e o triunfo de uma obra sobre a insubstituível condição feminina.

 

jef, julho 2021

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