sexta-feira, 9 de julho de 2021

Sobre o livro «A Última Receita» de Torgny Lindgren, Cavalo de Ferro, 2008. Tradução de Mário Semião.



 













«Um jornal é um fenómeno espiritual. Todas as coisas espirituais são individuais e dinâmicas, são organismos vivos, são consciência e simultaneamente objectos da consciência. A essência do espírito consiste em ter-se a si mesmo como objecto. O espírito existe, segundo Kierkegaard, como um sonho dentro do Homem. Ter a responsabilidade por um jornal é ser responsável pelo espiritual, pelo profundamente humano.»

 

Suécia. Aldeia de Avabäck. Uma segunda-feira no início do Inverno de 1942. Alguém escreve uma história longa fantástica para um jornal cujo director acaba de lhe enviar uma carta a despedi-lo, alegando que o jornalista inventa a realidade.

Ele tenta escrever ao director explicando a veracidade da escrita e gostaria de ter citado Goethe: «Então as crianças e os adultos costumam transformar o nobre e o sublime em diversão, até mesmo em bufonaria – e de outro modo poderiam suportá-lo e tolerá-lo?»

A tuberculose avança e ele escreve sobre a história única da procura desenfreada pela melhor receita familiar de pölsa, uma iguaria tradicional feita de um guisado suculento e invernio de diversas carnes. Receita que se guarda no seio de cada família. A demanda meticulosa, quase científica, pela melhor das pölsas é encetada pela estratégica amizade entre um germânico vendedor de tintas, de origem suspeita, e um professor primário, de fino paladar.

«Com a pölsa tudo é possível. Está para lá da sociedade organizada e civilizada.»

E eles encontram-na.

E ele continua a escrever no lar onde está refugiado. E a autarquia diz que não pode gastar mais dinheiro com ele, que ele rejuvenesce escrevendo. Nem mais um papel. Mas ele contém todo o mapa da Suécia na cabeça. Também sabe como ninguém onde se encontra o filão de ouro dentro da ignota montanha Avaberg. E desenha-a. Tal como o teria feito o seu compatriota Nils Holgersson se não viajasse através da Suécia no dorso de um ganso, movido pela extraordinária Selma Lagerlöf.

Uma deliciosa aventura sobre a importância da filosofia, do jornalismo e da pölsa.

 

jef, julho 2021

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