terça-feira, 22 de março de 2022

Sobre o livro «Os Rapazes Também Pintam o Cabelo» de Regina Guimarães e Alexandra Ramires. Douda Correria, 2021


 

























Dizem que é a arte de Robert Walser. Essa arte escrita em pé de página, borda da mesa, bilhete de autocarro, guardanapo de papel. Histórias curtas, meia página, talvez menos, dizendo tudo por palavras mínimas, fazendo crer que as 24 horas de um dia, afinal, podem ser a eternidade da fantasia e da leitura sonhada. Uma espécie de desenho efémero encontrado entre o espaço das nuvens ou nas pedras da calçada.

Que mais há a dizer além de «A arrumadora de carrinhos de choque», «O imitador de tiques» ou «A enfermeira de cuidados extensivos» ou apenas da pergunta: «Os sonhos são livres?»

E não é verdade que quantas vezes no dia atarefado não reparámos que por nós acabou de passar uma bela história? «Era uma vez um velho pescador, um romance policial e um secador de cabelo.»

A leitura do mundo ilustrado de Alexandra Ramires e Regina Guimarães fornece ao leitor a sumptuosa verdade (ou, pelo contrário, a afectuosa frontalidade) de um mundo que só pode ser gerido e interpretado (talvez suportado) através do seu contrário.

Robert Walser escreveu mais de mil deliciosas histórias curtas e aos 51 anos internou-se voluntariamente num manicómio. O russo Daniil Harms praticava a “poesia zaum” (linguagem fora do contexto) e foi letalmente perseguido. Hölderlin chamava Deus à Natureza e chamaram-lhe louco e romântico. Mário-Henrique Leiria inventou o gin-tónico. Kafka metamorfoseou-se.

A realidade para existir tem de ser constantemente inventada e Regina Guimarães e Alexandra Ramires dão uma grande ajuda!

 

jef, março 2022

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