Edgar Allan Poe é muito mais do que «O Gato Preto» ou «As
Caves do Amontillado». É uma misteriosa persona literária que nos coloca na
fímbria da razão fantástica, nesse mundo meio-aquático meio-onírico onde a vida
e a morte são irmãs e a percepção vital é realizada sobre as estruturas da
consciência e da vontade, ou movida entre a vida orgânica e a vida espiritual ou
ideológica.
De uma forma quase humorística aqui se sublinha o dito que um
homem só morre porque vai perdendo a vontade de viver. Assim são substanciadas as
personagens femininas, superiores e omniscientes, de «Morella» e «Ligeia». De
tanto saberem, de tanto quererem viver, de tanto serem amadas, elas sempre regressarão.
Assim também é Hans Pfall, constructor de foles, que foge de
Roterdão até à Lua, num balão por ele construído, mandando mais tarde um
emissário, vivente no satélite, com uma carta, para que todos conheçam a
história de tão realista viagem. Ou ainda a viagem tenebrosa dentro do cone do
vórtice marítimo “Moskoe-Storm”, ao largo da costa norueguesa. Ou as viagens
assombrosas de Augusto Bedloe.
Assim serão igualmente as consequências provocadas pelas
experiências magnéticas e hipnóticas realizadas sobre o senhor Vankirk ou o
senhor Valdemar.
Em Edgar Allan Poe nada parece sobrenatural. Tudo está
assente numa linguagem terrena, onde a natureza geográfica da Terra molda a
natureza humana e lhe transmite a sua maravilhosa tendência para a fantasia,
para a criatividade científica, para o lado tão profundamente psicológico,
quase hipnótico, que é a superior abstracção literária.
jef, março 2022
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