A
suprema ironia de Rohmer neste «Conto de Primavera» é, precisamente, apresentar a estação do ano moralmente aceite como aquela mais iniciática e amorosa, a estação das flores
e do recomeço, com os tons de uma comédia melancólica onde tudo contraria qualquer laivo
mudança. E se o espectador, a cada episódio, pensa que todo o amor rotineiro vai
ser quebrado pela magia desse novo começo, pode bem se desenganar. Nem a
professora de filosofia Jeanne (Anne Teyssèdre), mesmo citando a fenomenologia de
Husserl, deixa o seu desarrumado namorado (ausente do ecrã); nem Igor (Hugues
Quester), o sensível e retraído pai de Natacha (Florence Darel), irá deixar a
chata e presunçosa Ève (Florence Darel). Afinal, o desaparecimento do colar não
esconde nenhum truque mal-intencionado de alguém e as túlipas secas em casa do namorado
de Jeanne serão substituídas pelo ramo de flores em celofane oferecidas pela
prima Gaëlle (Sophie Robin).
Afinal, tudo acaba bem quando nem chega a começar, desde que seja acompanhado pelos estudos de Brahms ou as sonatas de Beethoven. Nada mais simples.
O
saber colocar o diálogo mais erudito sobre a acção mais simples de descascar
uma batata, enquanto se fuma um cigarro, é revelador da mestria de Éric
Rohmer.
jef,
abril 2022
«Conto
de Primavera» (Conte de Printemps) de Éric Rohmer. Com Anne Teyssèdre, Hugues
Quester, Florence Darel, Eloïse Bennett, Sophie Robin, Marc Lelou, François
Lamore. Argumento: Éric Rohmer. Produção: Margaret Ménégoz. Fotografia:
Luc Pagès. Música: Florence Darel ("Les
Chants de l'auge"); Tedi Papavrami e Alexandre Tharaud ("Spring Sonata");
Cécile Vigna ("Étude symphoniques"). França, 1990, Cores, 108 min.
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