Por falar em obsessão.
Pal Andersen é professor de literatura e especialista em Henrik
Ibsen, em particular das peças que este escrevera entre 1880 e 1890. O grande
Ibsen. Divorciado, 55 anos, sem filhos vive rodeado de livros num bom
apartamento em Oslo. Está sozinho e oferece a si próprio uma requintada refeição
na noite de Natal. Prepara-se para um momento tranquilo e abençoado quando
resolve ir à janela da frente observar os vizinhos que também estão a comemora.
Numa das janelas do prédio em frente, porém, assiste a um
caso que não o vai deixar sossegado durante semanas. Entre a angústia e a
obsessão começa a duvidar da utilidade da sua profissão, do percurso feito
desde a sua juventude, da razão da culpa e do crime, do valor da pena e do
castigo.
«No fim de contas, tinha a forte
suspeita de que desperdiçara a sua vida em algo condenado a desaparecer. Era
professor universitário de literatura e já não conseguia dizer que a literatura
tinha um grande valor associado, algo que acreditara quando optara por seguir
esse rumo.»
O Professor Andersen vai questionar ainda o percurso burguês dos
amigos e dos colegas. Questiona mais intensamente a sua conduta, a própria
culpa perante a suposta ineficácia da denúncia, admite uma certa admiração pela
ostensiva culpa alheia, cede à doença que, aos poucos, o vai dominando. «Mas
posso estar condenado quando não acredito em Deus?» Tira uma baixa médica,
veste o pijama e o roupão mas jamais dúvida do que os seus olhos verificaram
naquela noite.
O Professor Andersen põe até a hipótese de ir acompanhado assistir
às corridas de cavalo em Bjerke. Mas treme de frio e deve voltar a
resguardar-se em sua casa, entre livros, delitos e omissões.
Curiosamente, este livro, que nos faz entender, de certo
modo, o mundo serenamente intelectual e estável de Oslo e da Noruega,
transporta um certo ambiente de desespero final interrompido por laivos de um humor
tão subtil e triste quanto nórdico e frio. A obsessão da escolha é a dúvida
primordial.
A sombra de Sören Kierkegaard paira por aqui.
Contudo, tão filosóficos e obsessivos como este texto mas
infinitamente mais divertidos temos «Um, Ninguém e Cem Mil» de Luigi Pirandello
ou «O Crime de Lorde Arthur Savile» de Oscar Wilde.
jef, setembro 2022
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