O
que espanta no novo mundo das produções e exibições cinematográficas, , após
pandemias, confinamentos, visionamentos digitais domésticos e em telemóvel (paz
à alma de Hollywood como nós a conhecíamos), netflíxicas, é o facto (ou talvez
tendência) da conquista desse espaço pelos espectadores cativados pela
diversidade do cinema exibido pelas (poucas) distribuidoras ditas ou tidas por independentes.
Hoje
em dia, felizmente, vamos ao cinema (muitas vezes a horas trágicas) para ver
filmes que se libertaram das classificações inscritas nos cardápios cinéfilos. Nessas
listas, «Cesária Évora» de Ana Sofia Fonseca seria colocado na página dos “documentários”.
Hoje,
sem preocupação pela etiqueta, o cinema enche-se para ver um belo filme sobre
uma mulheraça que viveu no interior da sua liberdade, cresceu musicalmente-mundialmente
impondo a sua postura, tão diletante como vaidosa, bamboleando sobre os seus
pés descalços à conta de dolorosos cravos. Bebeu para afastar a solidão depressiva,
talvez como cantasse para sobreviver a si própria. Morreu porque quis morrer
quando quis morrer, agora que se discute o direito vital-mortal da eutanásia.
Entristecia e sorria, alternadamente. Não ligou ao dinheiro porque este lhe trouxe
uma casa construída e cheia de gente. Impôs o seu nome como sinónimo complexo do
país Cabo Verde. É obra.
Uma
obra transmitida pela rigorosa contenção da realizadora, pela montagem ágil, simultaneamente
sóbria e exuberante. Por esse vai e vem cronológico de imagens e sons. Por esse
respeito efectuoso pela diva africana.
Não
é de todo fácil transmitir a vida e a obra de uma mulher assim, com tanta
alegria, generosidade e respeito, sem nunca tender para a fácil lamechice da “honrada
pobreza”. Antes, “Orgulho, Liberdade e Independência “ é o lema demonstrado por
Ana Sofia Fonseca para reconhecer Cesária Évora. Talvez a realizadora tenha
inventado uma nova categoria cinematográfica.
jef,
novembro 2022
«Cesária
Évora» de Ana Sofia Fonseca. Com Cesária Évora, Janete Évora, José da Silva,
Bouziane Daoudi, Filipe Araújo, Mara Costa, Ana Sofia Fonseca, Ricardo Freitas,
Hélder Lopes, Joana Lourenço, David Medina, Miroca Paris, Agostinho Ribeiro,
Rosa Teixeira da Silva. Produção: Ana Sofia Fonseca e Irina Calado. Argumento: Ana
Sofia Fonseca. Fotografia: Vasco Viana. Portugal, 2022, Cores, 94 min.
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