Existe
neste filme um complexo social de risco que me lembrou, de certo modo, o «Shining», apesar
deste ter sido realizado por Stanley Kubrick quatro anos mais tarde. E não é
apenas pela longa e tensa, mesmo angustiante, sequência do jogo proposto pela
pequena deficiente Angela (Andrea Schober) para todo o conjunto da sua família
alargada e que ela mesmo maquinou para fazer reunir naquele fim-de-semana,
naquele palacete isolado, entre as estantes de vidro que lhes escondem ou multiplicam
os perfis. Todos se sentem inquietos pelo silêncio e pela quietude ameaçadora. O
casal, pais de Angela, Ariane (Margit Carstensen) e Gerhard (Alexander Allerson), a quem ela acusa pelas suas infidelidades do mal físico que padece; os
respectivos amantes Kolbe (Ulli Lommel) e Irene (Anna Karina); a ama Menina Traunitz
(Macha Méril), a governanta Frau Kast (Brigitte Mira) e o fillho desta, Gabriel
(Volker Spengler), o pretenso poeta. Ninguém quer jogar pois temem e desejam ameaçar
o próximo até ao não-retorno, até a arma ser apontada a quem tudo provocou, inimputável,
e ser disparada contra quem não devia ser acusada.
Antes,
Angela abre os quartos dos pais onde os amantes repousam inertes, como se
tivessem sido fulminados pelos bons dias da criança.
Depois,
tão inadvertida como inexplicavelmente, uma procissão passa à porta da mansão e
ouvem-se as sacras palavras do casamento “Aceitam contrair matrimónio, serem
fiéis e amarem-se…” O filme assim termina.
Quanto
do poder social e político reside nos interstícios do desejo de manipulação, da
força do masoquismo, da pulsão ou repressão sexuais?
Tudo
permanecerá em aberto…
jef,
dezembro 2022
«Roleta
Chinesa» (Chinesisches Roulette) de Rainer Werner
Fassbinder. Com Anna Karina, Margit Carstensen, Brigitte Mira, Ulli Lommel, Alexander
Allerson, Volker Spengler, Andrea Schober, Macha Méril. Argumento: Rainer
Werner Fassbinder. Produção: Michael Fengler, Barbet Schroeder. Fotografia:
Michael Ballhaus. Música: Peer Raben. RFA, 1976, Cores, 86 min.
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