domingo, 18 de agosto de 2024

Sobre o filme «Violência e Paixão» de Luchino Visconti, 1974

 













































Não existe título português mais estranho.

Um filme que começa por ser como uma entrada brusca no salão de um velho professor (Burt Lancaster), colecionador e restaurador de arte, quando este está a recusar a compra de um quadro que um marchand lhe tenta vender. Entretanto, uma figura feminina deambula pelos aposentos medindo o espaço, avaliando o andar superior que observa a partir da soberba varanda do palacete. Ela é a marquesa Bianca Brumonti, intrusa que nada terá a ver com a aquisição do quadro. Apenas deseja alugar o andar superior para o seu amante Konrad Huebel (Helmut Berger), a sua filha Lietta (Claudia Marsani) e o namorado desta, Stefano (Stefano Patrizi). O professor arrepende-se, afinal deseja adquirir o quadro mas este terá sido já vendido. Afinal, foi Bianca que o comprou para lho oferecer, de certo modo obrigando-o a alugar-lhe o piso superior que está a precisar de profundas obras.

A partir dali, o que parece ser uma espécie de comédia sobre obras e condomínios não é mais do que a revisitação de um passado longínquo. São absolutamente assombrosas as cenas fragmentadas, quase inexplicadas, através das quais o espectador entra, mais uma vez como breve intruso, no passado do professor (o véu branco em torno de Claudia Cardinale, as rosas em torno de Dominique Sanda). Também como será tão breve o tempo futuro do professor, estilhaçado pela entrada alvoroçada daquela família jovem e futurista e por aquele incómodo hóspede Konrad que o entende como ninguém na apreciação dos quadros que enchem as paredes do palacete e que retratam eternamente famílias que há muito deixaram de existir. Ele trata Konrad como o filho rebelde que não terá tido.

Sim, existe violência consequente e paixão exacerbada mas muito mais próximo está do confronto com um doméstico retrato de família. O espectador é convidado a participar primeiro no desespero de um velho professor arrancado da sua quieta melancolia e do amor por um passado irreversível; mais tarde confrontado com a ausência de um mundo exterior do qual se retirou e agora lhe é oferecido de bandeja. Porém, definitivamente tarde demais.

No final, intrusos novamente, somos igualmente convidados a retirarmo-nos, reverentes e em silêncio.

Um filme sobre tudo. Um filme maravilhoso.


jef, agosto 2024

«Violência e Paixão» (Gruppo di famiglia in un Interno) de Luchino Visconti. Com Silvana Mangano, Burt Lancaster, Helmut Berger. Claudia Marsani, Stefano Patrizi, Elvira Cortese, Philippe Hersent, Guy Tréjan, Jean-Pierre Zola, Umberto Raho, Enzo Fiermonte, Romolo Valli, George Clatot, Valentino Macchi, Vittorio Fanfoni, Lorenzo Piani, Margherita Horowitz. Claudia Cardinale, Dominique Sanda. Argumento: Enrico Medioli, Suso Cecchi D'Amico, Luchino Visconti. Produção: Giovanni Bertolucci. Fotografia: Pasqualino De Santis. Música: Franco Mannino. Guarda-roupa: Vera Marzot Itália / França, 1974, Cores, 120 min.


Sem comentários:

Enviar um comentário