Diria
que Stephen Frears tem um jeito especial para contar histórias. Sabe narrar como
quer e quando quer. Desde «My Beautiful Laundrette», 1985. Está sempre
a transgredir sem nunca infligir danos à estratégia narrativa. Um vago
«sentimento» pessoal que eu estendo a toda a cinematografia inglesa. Façam o
que fizerem, parece que transportam o peso da tradição e o riso da infracção.
A
questão «vitoriana» na estrutura cultural e política da Grã-Bretanha é enorme,
transcende a moral, a ideologia, transcende essa falsa verdade das castas e do
snobismo. A questão «indiana», ainda mais. A questão «religiosa», pior.
Stephen
Frears enlaça tudo e executa uma parábola que viaja de uma época para outra
época, com um século de diferença. Realça as semelhanças estranhas de um
estranho Ocidente: fala-se agora em Brexit, em estado islâmico, em xenofobia…
Tudo parecido!
Fala-se
agora menos em amizade plena, na compreensão de gerações e modos, nesse verdadeiro
amor entre idades diversas que hoje é ainda o verdadeiro tabu afectivo.
E
tudo condensado num relance, numa troca de olhares proibida entre Abdul Karim
(Ali Fazal) e a rainha Vitória (Judi Dench), durante um apressado e mal-humorado
almoço de Estado. Basta verificarmos a cena súbita em close-up do olhar em
metamorfose da rainha para entendermos a mestria de uma actriz, essa graça
subtil de Stephen Frears para agarrar a transgressão e fazer dela o mote de uma
carreira cinematográfica ímpar.
Num
simples «glimpse», entre a sombra e a aparição, um filme inteiro.
jef,
outubro 2017
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