Por
1964, andava Jean-Luc Godard apaixonado. Anna Karina (Odile), colegial e
ingénua, encantada, insegura, provocadora, fazia retroversões de «Romeu e
Julieta», era assediada ou assediava os seus dois amigos Arthur (Claude
Brasseur) e Frantz (Sami Frey) que preparam um golpe de mestre: roubar um
milhão de francos da casa de Mr. Stolz e da Tia Victoria. A casa de Odile.
«Bando à Parte» é um filme louco, com uma estrutura de escola nouvelle-vague-avant-garde, ou
seja, com uma estrutura que segue apenas os ditames da irreverência juvenil, da
extraordinária e lúcida rebeldia do realizador, que sai, aparentemente, à
deriva atrás de Odile, de Frantz e de Arthur, dois anos depois da estreia do congénere
«Jules e Jim» de François Truffaut.
Apesar
de não ter lugar privilegiado ao lado dos seus super-irmãos «O Acossado» (1960)
«O Desprezo» (1963), «Pedro, o Louco» (1965), Jean-Luc Godard apaixona-se realmente
pelas três personagens, criando através deles e do seu movimento incessante, das
cenas mais inesquecíveis da história do cinema: A lição de inglês “clássico-moderno”,
a fantástica “morte” de Billy de Kid, o minuto de silêncio, a canção sussurrada
no metro por Odile, a visita mais rápida ao museu do Louvre, ou essa mítica dança
no café, enquanto os criados passam e o narrador (Jean-Luc Godard), que abre parêntesis
mas não os fecha, vai narrando os sentimentos que os dançarinos têm uns
relativamente aos outros.
Quem
vê este filme não pode deixar de sentir-se dentro da juventude desabrida que
sai pelos poros de uma tela quase abstracta, pela alegria com que os novos
realizadores se deixavam levar pelos filmes negros americanos, com histórias de
raparigas sedutoras, carros à desfilada por cima dos passeios, um milhão de
dólares por aí, alguns revólveres bem oleados…
Quem
vê «Bando à Parte» fica esclarecido quanto ao poder criativo do cinema e à sua esperança
em mudar os códigos da arte e do mundo. Ou como o mundo desconstruído se revela
a cada nova vaga do cinema.
jef,
outubro 2017
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