História de Ninguém
Esta é a história do homem que previa. Não é a história do
homem (João), vidente, a quem lançam moedas à porta do seu futuro jazigo.
Também não é a história do desgrenhado (José) que, dizem, ter chegado numa nave
supra-aérea para vir casar com uma mulher da Terra e montar escritório de
futuros e coisas mais ou menos inexplicáveis em cartõezinhos que se distribuem
à porta do metro da Rotunda-Marquês. Também não é a história do Joaquim que
vendia chás, mezinhas e produtos químicos mal tirados de folhas secas ou da
casca de árvores dúbias, mas também de um armazém de tintas e vernizes que o
seu irmão mantinha numa garagem para além do aeroporto, para lá de Camarate.
Também não é a história de Júlio, o homem que dizia ver coisas estranhas quando
misturava benzina no abafado, coisas que vinham do outro lado, do hemisfério antípoda
que anda sempre meio-dia adiantado. Também não é a história do homem com face
de beato, cabelo encaracolado, de anjo, túnica de burel, olhar em alvo, apóstolo-posfeta,
o décimo-quarto, que circulava falante ao fundo da Av. Roma, junto do
gradeamento do Júlio de Matos. Esse chamava-se Jeremias. Esta é a história de
Jaime que previa mesmo o futuro, organizando-o exaustivamente no calendário de
bolso. O que Jaime esquecia é que um dia, num passo apressado, entre as gentes,
dia de chuva, ao sair do autocarro, pasta a tiracolo, saco das compras, guarda-chuva
na mão, a agenda onde guardava o futuro de bolso saltaria de vez para uma plácida
poça de água e perder-se-ia para sempre.
jef, outubro 2017
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