«O
Sabor da Cereja» volta a ser exibido em cópia restaurada 20 anos depois de receber
a Palma de Ouro em Cannes. Abbas Kiarostami morreu o ano passado. Este é o mais
belo, mais terno, mais irónico, mais humano, mas também mais inconclusivo
epitáfio para a vida do realizador iraniano.
Mais
belo, porque é impossível não sermos cativados pela sombra do homem que se
orienta sobre a avalanche de poeira e pedra que é descarregada na cimenteira. O
perfil de Badii (Homayoun Ershadi), enquadrado quase sempre pelo vidro luminoso
do jipe, traz à memória qualquer coisa entre o egípcio, o helénico, o bíblico, enfim, o mesopotâmico…
Mais
terno, porque nunca sabemos a causa das coisas, a razão do drama, coisa que
devolve ao espectador a imaginação de todas as suas próprias memórias trágicas mas
com um véu de suavidade apaziguadora sobre as nossas insolvências emocionais.
Mais
irónico, pois ser salvo por um taxidermista é um facto único.
Mais
humano, pois todo o Irão, todas as etnias, toda a pobreza, toda a questão
religiosa, toda a dúvida, toda a avidez da morte como vida por mal viver, está
contida a cada episódio… tal como lemos em «A Morte de Ivan Iliitch» de Lev
Tolstói…
Mais
inconclusivo epitáfio, porque a cena final é uma revelação quase académica, contém
uma energia rejuvenescida em jeito de «pseudo-happy-end-deus-ex-machina» aparentemente
suspensa entre a realidade e a ficção, entre o futuro que desejamos e o passado
que ainda iremos a tempo de reconstruir.
jef,
outubro 2017
«O
Sabor da Cereja» (Ta'm e guilass) de Abbas Kiarostami. Com Homayoun Ershadi,
Abdolhossein Bagheri, Afshin Khorshid Bakhtiari, Safar Ali Moradi, Mir Hossein
Noori, Ahmad Ansari, Hamid Masoumi, Elham Imani. Irão, 1995, Cores, 95 min.
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