Gosto
muito de filmes musicais e gosto também de dizer que «Stop Making Sense» é um
dos melhores filmes musicais de sempre. Talvez seja exagero mas os
filmes que têm a música como núcleo são especiais e tocam-me no córtex de um
modo abstracto, baralhado, surgem-me nos ouvidos e no coração, talvez nos pés,
sem passar pelas sinapses.
Digo
isto e logo surge a consciência castradora dos exageros e delírios. «West Side
Strory / Amor sem Barreiras» (Jerome Robbins e Robert Wise, 1961); «My Fair
Lady / Minha Linda Senhora» (George Cukor, 1964); «A Flauta Mágica» (Ingmar Bergman,
1976); «The Last Waltz / A Última Valsa» (Martin Scorsese, 1978)… E o meu
coração balança mesmo muito e concorda que deve ser o Diabo a vir escolher!
Logo
depois volto à primeira estaca. Porque «Stop Makins Sense» é muito mais do que
toda a energia frontal dos Talking Heads, toda a filosofia de um palco amplo e
em construção, sem paredes ou ameias onde, sozinho, apenas acompanhado por um
falso leitor de cassetes a pilhas, David Byrne canta, trôpego e insano, «Psyco Killer».
Porque
é muito mais do que um cenário a fechar-se sobre as personagens que surgem, uma
a uma, canção a canção, palavra breve e sincopada, ritmo sobre a paranóia de
«Heaven», como numa discoteca perdida onde os humanos se lançam contra a luz
negra, intermitente e louca.
Eles
chegam, alguns de fatos de palhaço cinzento e sério, extravagante, e abanam os
membros para sacudir a melancolia, a nostalgia, a submissão, o senso
psicadélico do corpo, enquanto a equipa técnica vai iluminando os corpos que,
para entender o que dizem, têm de dançar. Como David Byrne sempre afirmou (e
Gonçalo M. Tavares corroborará): «Burning Down the House».
Porque
estamos em 1984 e já foram editados grande parte dos discos da música mais
descentrada dos Talking Heads: «Found a Job». Porque os Tom Tom Club já tinham
sido formados por Tina Weymouth e Chris Frantz, dentro e fora do espectáculo: «Genius
of Love». Porque Brian Eno fazia muitos e bons estragos: «Once in a Lifetime».
Porque
Jonathan Demme resolve cenicamente a quarta dimensão de um concerto que, deste
modo, se tornou inesquecível, repetível, dando-lhe a visão de planos cortados e
das palavras insubordinadas no interior da estratégia fundamental, romântica e
futurista, dos Talking Heads.
jef, outubro 2017
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