terça-feira, 14 de novembro de 2017

Sobre o disco «Harvest» de Neil Young, Reprise / Warner, 1972
















A América sempre sentiu um enorme prazer em usar e abusar, comprar e vender, as suas próprias graças e desgraças. Ali, tudo serve as leis do mercado e da sua tão característica democracia: as riscas, as estrelas, James Dean e Frank Sinatra, o Vietnam, JFK, a Guerra do Golfo, a Texas Instruments, Dallas, os cowboys, o barbecue e o petróleo. A música não foge à regra, muito menos a country, sitiada dentro das muralhas do seu bastião, Nashville. Sendo um produto tradicionalista, genuinamente popular, consumido por um povo de muitos milhões, é logicamente presa da pesada maquinaria usada pela lei comercial do país.

Claro está que logo aparece uma ou outra ovelha negra e inteligente a contestar essa massificação cultural, pois o natural numa sociedade normal é a diversidade e não o estereotipo. Foi exactamente o que aconteceu com «Harvest», o disco que o Neil Young publicou em 1972. Levando na bagagem a experiência única adquirida com os seus companheiros Crosby, Stills & Nash, esse eterno monarca canadiano da música americana resolveu armar-se de toda a sabedoria popular e cercar a cidadela da country. Nashville rendeu-se, abrindo as portas à genialidade sinfónica, à estranheza da mistura dos arranjos ou à fusão perfeita entre a pop, o rock e a folk. Nunca ali se tinha ouvido um álbum com produção tão invulgar, misturando temas gravados em estúdio com a London Symphony Orchestra e outros tocados ao vivo e escoltados por um conjunto de músicos e coros tão requintados: os Stray Gators; Crosby, Stills & Nash; Linda Ronstadt ou James Taylor.


Num instante, «Harvest» transbordou de Nashville e as suas inesquecíveis dez canções conquistaram o mundo. A ovelha negra e inteligente Neil Young contestou o mercado americano de forma magnífica e logo este o conquistou de novo. A América voltou a dormir descansada.

jef, dezembro 1997 / setembro 2017

(in D.I.S.C.O. nº 23)

Sem comentários:

Enviar um comentário