A América sempre sentiu um enorme prazer em usar e abusar,
comprar e vender, as suas próprias graças e desgraças. Ali, tudo serve as leis
do mercado e da sua tão característica democracia: as riscas, as estrelas,
James Dean e Frank Sinatra, o Vietnam, JFK, a Guerra do Golfo, a Texas
Instruments, Dallas, os cowboys, o barbecue e o petróleo. A música não foge à
regra, muito menos a country, sitiada dentro das muralhas do seu bastião,
Nashville. Sendo um produto tradicionalista, genuinamente popular, consumido
por um povo de muitos milhões, é logicamente presa da pesada maquinaria usada
pela lei comercial do país.
Claro está que logo aparece uma ou outra ovelha negra e
inteligente a contestar essa massificação cultural, pois o natural numa
sociedade normal é a diversidade e não o estereotipo. Foi exactamente o que
aconteceu com «Harvest», o disco que o Neil Young publicou em 1972. Levando na
bagagem a experiência única adquirida com os seus companheiros Crosby, Stills
& Nash, esse eterno monarca canadiano da música americana resolveu armar-se
de toda a sabedoria popular e cercar a cidadela da country. Nashville rendeu-se,
abrindo as portas à genialidade sinfónica, à estranheza da mistura dos arranjos
ou à fusão perfeita entre a pop, o rock e a folk. Nunca ali se tinha ouvido um
álbum com produção tão invulgar, misturando temas gravados em estúdio com a
London Symphony Orchestra e outros tocados ao vivo e escoltados por um conjunto
de músicos e coros tão requintados: os Stray Gators; Crosby, Stills & Nash;
Linda Ronstadt ou James Taylor.
Num instante, «Harvest» transbordou de Nashville e as suas
inesquecíveis dez canções conquistaram o mundo. A ovelha negra e inteligente
Neil Young contestou o mercado americano de forma magnífica e logo este o
conquistou de novo. A América voltou a dormir descansada.
(in D.I.S.C.O. nº 23)
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