Elogio do grande americano.
Existe um conjunto de músicos, cuja personalidade artística,
coerência, imaginação, evolução e longevidade das suas carreiras, os colocam
numa espécie de altar profano onde se escutam as mais belas facetas do Ser
Humano. Lá encontramos Duke Ellington ou Miles Davis, rodeados de estrelas mais
jovens, Tom Waits, Brian Eno, David Byrne ou Chico Buarque. São entes cuja obra
ultrapassou os limites da suspeição e os seus futuros discos são desfrutados
com a alegre ansiedade de os vermos chegar às prateleiras das discotecas (ou,
agora, à legal piratagem do spotify). Por entre a galeria de criativos
musicais, encontramos alguém que tem dedicado a vida a iluminar os melhores
caminhos da música popular americana e, mais recentemente, da música de todos
os continentes. Ry Cooder.
Após a universal divulgação do velho e extraordinário mundo
crioulo e diverso de «Buena Vista Social Club» (1997), é importante reparar a
injustiça de um certo esquecimento da sua actividade como musicólogo, prestando
homenagem ao autor da banda sonora de «Paris Texas» (1985).
Ry Cooder tem de ser redescoberto também pelo rigor
etnográfico, pela devoção à causa musical. Ry Cooder,
guitarrista-cantor-compositor ou compositor-cantor-guitarrista, constrói um
disco único com «Bop Till You Drop». Cada versão destas canções, símbolos de um
pedaço maior da Grande América, torna-se a apologia teórica e feliz das raízes
da soul, do gospel, do rhythm’n’blues, do jazz e da alegria da música negra, tal
como antes tinha já exaltado os benefícios do blues, da country, do rock, da
música tex-mex ou da música das tribos índias.
Ouvir este disco é conhecer um fascículo importante da
«História Fundamental da Música Tradicional da América e do Mundo», escrita com
a humildade e a generosidade que só o virtuosismo de um grande guitarrista
permite.
Viva Ry Cooder!
jef, setembro 1997 / novembro 2017
(in D.I.S.C.O. nº 21)
Sem comentários:
Enviar um comentário