Sob os Céus de Bruxelas.
Na madrugada de 9 de Outubro de 1978 ascendia aos céus de
Paris o génio mais endiabrado da canção francesa – Jacques Brel. Não que ele
tivesse sido surpreendido pela morte, pois havia tempo que a aguardava. Melhor,
foi a própria morte que se espantou com a edição do seu destemido e brutal epitáfio.
Ausente há perto de 10 anos dos estúdios de gravação, Jacques Brel abandona o refúgio
nas ilhas Marquesas e, numa viagem relâmpago em Agosto de 1977, vem a Paris
gravar um punhado de novas canções, fazendo-o com o mínimo de ensaios e
cantando simultaneamente com a orquestra. François Rauber, Gérard Jouannest e
Charles Marouani foram, mais uma vez, os seus amigos e companheiros musicais. O
resultado é esse álbum envolto num céu azul cheio de nuvens magnânimas, que tem
o nome do próprio Brel.
Pelo meio da polémica que envolveu o cantor e a etiqueta
Barclay ao lançar a campanha de promoção a coincidir com o próprio ponto final,
ficam uma dúzia de canções de uma beleza nostálgica inqualificável, testemunhos
frontais e sem compaixão do que fora o seu passado e do que seria a realidade
do seu breve futuro. Não é de estranhar, portanto, que se inicie com «Jaurès»,
invocando a memória do socialista francês morto no início da I Grande Guerra, e
cantando a juventude desperdiçada pelo
trabalho e miséria, para depois se despedir da cidade e do amor em «la Ville s’Endormait»
e «Orly» ou odiar a sua doença em «Veillir». É sem dúvida intencional o modo
como, sem contemplação, vocifera contra os seus eternos «amados» inimigos, os
burgueses flamengos («Les F…») e a fortaleza feminina («Les Remparts de Varsovie»
e «Le Lion»).
É absolutamente sublime a forma dramática como Brel se
despoja e se rende à melancolia sem regresso na canção dedicada ao já
desaparecido amigo e confidente Georges Pasquier, «Jojo», ou na fabulosa
composição «Voir Un Ami Pleurer», terminando com uma obra-prima, viagem de uma
serenidade enigmática, libertadora mas inexorável, onde contemplará pela derradeira
vez os seus verdadeiros amores: a solidão, a mulher, o mar e a morte. «Les Marquises».
jef, maio 1997 / setembro 2017
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