quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Sobre o disco «Brel» de Jacques Brel, Barclay / Polygram, 1977















Sob os Céus de Bruxelas.

Na madrugada de 9 de Outubro de 1978 ascendia aos céus de Paris o génio mais endiabrado da canção francesa – Jacques Brel. Não que ele tivesse sido surpreendido pela morte, pois havia tempo que a aguardava. Melhor, foi a própria morte que se espantou com a edição do seu destemido e brutal epitáfio. Ausente há perto de 10 anos dos estúdios de gravação, Jacques Brel abandona o refúgio nas ilhas Marquesas e, numa viagem relâmpago em Agosto de 1977, vem a Paris gravar um punhado de novas canções, fazendo-o com o mínimo de ensaios e cantando simultaneamente com a orquestra. François Rauber, Gérard Jouannest e Charles Marouani foram, mais uma vez, os seus amigos e companheiros musicais. O resultado é esse álbum envolto num céu azul cheio de nuvens magnânimas, que tem o nome do próprio Brel.

Pelo meio da polémica que envolveu o cantor e a etiqueta Barclay ao lançar a campanha de promoção a coincidir com o próprio ponto final, ficam uma dúzia de canções de uma beleza nostálgica inqualificável, testemunhos frontais e sem compaixão do que fora o seu passado e do que seria a realidade do seu breve futuro. Não é de estranhar, portanto, que se inicie com «Jaurès», invocando a memória do socialista francês morto no início da I Grande Guerra, e cantando a juventude desperdiçada  pelo trabalho e miséria, para depois se despedir da cidade e do amor em «la Ville s’Endormait» e «Orly» ou odiar a sua doença em «Veillir». É sem dúvida intencional o modo como, sem contemplação, vocifera contra os seus eternos «amados» inimigos, os burgueses flamengos («Les F…») e a fortaleza feminina («Les Remparts de Varsovie» e «Le Lion»).

É absolutamente sublime a forma dramática como Brel se despoja e se rende à melancolia sem regresso na canção dedicada ao já desaparecido amigo e confidente Georges Pasquier, «Jojo», ou na fabulosa composição «Voir Un Ami Pleurer», terminando com uma obra-prima, viagem de uma serenidade enigmática, libertadora mas inexorável, onde contemplará pela derradeira vez os seus verdadeiros amores: a solidão, a mulher, o mar e a morte. «Les Marquises».


jef, maio 1997 / setembro 2017

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